Capítulo 22

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O caviar de esturjão branco russo Malasol devia estar disponível desde o almoço ao jantar de fim de noite. E a noite toda no serviço de copa.

Carla fez outra anotação. Nas últimas duas semanas, mudara o menu uma dúzia de vezes. Após uma sessão malsucedida com Marcos, optara por cuidar sozinha da tarefa. Sabia o ambiente que desejava criar e como fazer isso com a comida.

Para poupar-se tempo, instalou um pequeno escritório numa sala de depósito ao lado da cozinha. Ali podia supervisionar a equipe e os inícios da reforma, tendo ao mesmo tempo bastante intimidade para trabalhar no que agora era seu projeto preferido.

Evitar Arthur fora muito fácil, porque ela se mantinha muito ocupada. E parecia que ele se achava igualmente envolvido num complicado acordo empresarial. Comprar outra cadeia de hotéis, se os boatos fossem verdadeiros. Carla tinha pouco interesse nisso, pois se concentrava em artigos como medalhão de vitela e molho de champanhe.

Enquanto prosseguisse a reforma, o pessoal da cozinha continuaria num constante estado de quase pânico. Ela passara a aceitar conviver com isso. A maioria das cozinhas onde trabalhara vivia em grande tensão e terror que só um cozinheiro entenderia. Talvez a tensão criativa e o terror do fracasso ajudassem a compor as melhores refeições.

Ela deixava a maior parte da supervisão da equipe a Marcos. Interferia tão pouco quanto possível na rotina que ele estabelecera, incorporando discretamente as mudanças que ela própria iniciara. Aprendera as qualidades da diplomacia e poder com o pai. Se isso houvesse aplacado Marcos, não era visível em sua atitude para com ela. Ele continuava gelidamente educado. Carla dava de ombros e concentrava-se no aperfeiçoamento dos primeiros pratos que sua cozinha ia oferecer.

Fígado de Bezerro à Berlinoise. Um excelente primeiro prato, não tão popular, sem dúvida, quanto um filé cozido ou costela de primeira, mas excelente. Desde que não tivesse de comê-lo, pensou Carla com um sorrisinho, ao anotar a tarefa.

Assim que organizou a carne e as aves, ela pensou nos frutos-do-mar. E naturalmente teria de haver um bufê de frios funcionando 24 horas por dia no serviço de copa. Era outra coisa a resolver. Sopas, aperitivos, saladas — tudo tinha de ser levado em conta, decidido e confirmado antes que ela começasse com as sobremesas. E no momento trocaria qualquer das elegantes ofertas por um pão de gergelim e um saquinho de batata frita.

— Então é aqui que você se esconde — disse Arthur, encostado no umbral da porta.

Acabara de concluir um horrendo encontro de quatro horas e pretendia subir para sua suíte, uma prolongada ducha e uma refeição tranquila e solitária. Em vez disso, viu-se se dirigindo à cozinha e a Carla.

Ela se parecia como na primeira vez que a vira — cabelos soltos, pés descalços. Na mesa em frente estendiam-se resmas de papéis com anotações e um copo pela metade de refrigerante. Atrás, caixas empilhadas, sacos amontoados. A sala cheirava forte a detergente de pinho e papelão. À sua maneira, ela parecia competente e em completo comando.

— Me escondo, não — corrigiu Carla. — Trabalho. — Cansado, ela pensou. Ele parecia muito cansado. Via-se nos olhos. — Andou ocupado? Não vimos você aqui embaixo nas duas últimas semanas.

— Muito ocupado.

Entrando, ele começou a folhear as notas.

— Rodando e negociando, pelo que eu soube. — Ela se recostou e percebeu logo que as costas doíam. — Vai assumir a cadeia Hilton.

Ele ergueu o olhar, deu de ombros e tornou a olhar as notas.

— É uma possibilidade.

— Discreto. — Ela sorriu, desejando não estar tão contente por vê-lo de novo. — Bem, enquanto você jogava Monopólio, andei lidando com assuntos mais íntimos. — Ele tornou a erguer o olhar, as sobrancelhas arqueadas exatamente como Carla esperava, e ela riu. — A comida, Arthur, é o mais básico e pessoal dos desejos, não importa o que alguém diga em contrário. Para muitos, comer é um ritual feito três vezes por dia. É trabalho do chef tornar cada experiência dessas memorável.

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora