Capítulo 3

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A avaliação não lhe exigira muito tempo — três, talvez quatro segundos. Mas ela curvou mais a boca. Arthur não conseguia desgrudar os olhos dali. Era uma boca que um homem, se respirava, queria provar.

— Queira entrar, por favor, Sr. Picoli. — Carla recuou, escancarando a porta ao convidá-lo. — É muita gentileza da sua parte aceitar encontrar-se comigo aqui. Por favor, sente-se. Receio estar no meio de alguma coisa na cozinha.

Ela sorriu, gesticulou e desapareceu.

Arthur abriu a boca — não estava acostumado a ser dispensado por empregados — depois tornou a fechá-la. Tinha tempo suficiente para ser tolerante. Ao largar a maleta, examinou a sala em volta. Abajures de cúpulas franjadas, um sofá curvo de veludo azul, uma mesa de cerejeira com um complexo entalhamento. Tapetes de Aubusson com desenhos densos — dois — suavemente desbotados em azuis e cinza — espalhavam-se pelo piso. Um jarro da dinastia Ming. Pot-pourri no que era com certeza uma compota de cristal de Dresden.

A sala não tinha ordem alguma; consistia numa mistura de períodos e estilos europeus que em teoria jamais deveria ficar harmoniosa, mas tornava-a instantaneamente atraente. Percebeu uma mesa de pedestal no outro lado da sala coberta de páginas datilografadas e notas escritas a mão. Ruídos vindos da rua vagavam sala adentro. Chopin flutuava no som estéreo.

Enquanto absorvia o ambiente, teve a brusca certeza de que não havia ninguém no apartamento além dele e da mulher que abrira a porta. Carla Diaz? Fascinado com a ideia, e com o aroma que entrava furtivamente da cozinha, ele atravessou a sala.

Seis pequenas formas de massa, num tabuleiro. Uma por uma, Carla recheou-as até transbordar com o que parecia um saboroso creme branco. Quando Arthur examinou o rosto dela, viu a concentração, a seriedade e a intensidade que talvez associasse a um neurocirurgião. Isso devia tê-lo divertido. Mas de algum modo, com os acordes de Chopin derramando-se pelos alto-falantes da cozinha, com aquelas delicadas mãos de dedos finos arrumando o creme em montes, ele se sentiu fascinado.

Ela mergulhou o garfo numa panela e gotejou sobre o creme algo que ele imaginou tratar-se de caramelo aquecido. Escorreu fartamente pelos lados, formando uma geleia. Ele duvidava de que fosse humanamente possível não desejar com gula após apenas uma provada. Mais uma vez, uma por uma, ela enconchou as tortinhas e colocou-as numa bandeja forrada com um delicado descanso de papel rendado. Quando arrumou a última, ergueu os olhos para ele.

— Gostaria de um café?

Sorriu, e o vinco de concentração entre as sobrancelhas desapareceu. A intensidade que parecera escurecer-lhe as íris desanuviou-se.

Arthur examinou a bandeja de sobremesas e perguntou-se como ela podia ter uma cintura tão esbelta, que ele certamente envolveria com as mãos.

— Sim, gostaria.

— Está quente — ela o avisou ao erguer a bandeja. — Sirva-se à vontade. Preciso correr até a porta ao lado. — Já passara por ele e chegara ao vão da porta da cozinha quando deu meia-volta. — Oh, têm alguns biscoitos no pote de cerâmica, se quiser. Eu volto já.

Desaparecera levando consigo as tortas. Com um encolher de ombros, ele voltou-se para o caos da cozinha. Carla Diaz podia ser uma excelente cozinheira, mas era óbvio que não era organizada. Ainda assim, se o perfume e a aparência das tortas fossem alguma indicação...

Ele começou a buscar nos armários uma xícara, e acabou por se render à tentação. Ali parado, vestido em um terno de Ricardo Almeida, correu um dedo pela borda da travessa que guardara o creme. Depois o passou na língua. Com um suspiro, fechou os olhos. Delicioso, consistente e bem francês.

Jantara nos mais exclusivos restaurantes, em algumas das casas mais sofisticadas, em dezenas de países pelo mundo todo. Em termos lógicos, práticos, francos, não saberia dizer se já provara alguma coisa melhor do que acabara de encontrar na tigela da cozinha daquela mulher. Ao decidir especializar-se em sobremesas e tortas, Carla Diaz fizera uma boa opção, ele concluiu. Sentiu um momentâneo pesar por ela ter levado aquelas deliciosas e suculentas tortas para outra pessoa. E então, quando retomou a procura da xícara, localizou o pote de biscoitos de cerâmica em forma de urso panda.

Em geral isso não o teria interessado. Não era um homem de paladar especialmente ativo para doces. Mas o sabor do creme perdurava na língua. Que tipo de biscoitos fazia uma mulher que criava os pratos mais excelentes da haute cuisine? Com uma xícara de porcelana fosca numa das mãos, ergueu a tampa do pote, retirou um biscoito e fitou-o em pura maravilha.

Ninguém poderia confundir aquela textura particular. Um clássico? — imaginou. Uma tradição? Um Oreo. Continuava fitando o biscoito de chocolate recheado com dupla dose de creme branco. Girou-o na mão. Tinha a marca inconfundivelmente estampada nos dois lados. De uma mulher que fazia bolos, tortas, cremes e glacês para a realeza?

Soltou uma risada ao devolver o Oreo ao pote. Durante toda a sua carreira, tivera de lidar com uma boa parcela de excêntricos. Dirigir uma cadeia de hotéis não era apenas uma questão de quem se registrava na entrada e na saída. Envolvia inúmeros designers, artistas plásticos, arquitetos, decoradores, chefs de cozinha, músicos, representantes de sindicato. Arthur julgava-se um bom conhecedor de pessoas. Não levaria muito tempo para aprender o que mantinha Carla ligada.

Ela voltou às pressas para a cozinha no momento em que ele afinal despejava o café na xícara.

— Lamento tê-lo deixado esperando, Sr. Picoli. Sei que foi indelicado. — Sorriu, como se não tivesse a menor dúvida de que seria desculpada, e serviu seu próprio café. — Tive de terminar essas tortas para minha vizinha. Ela vai dar um pequeno chá de noivado esta tarde, com os futuros sogros. — Alargou o sorriso numa risada, e servindo o café preto, destampou o pote do panda. — Não quis comer um biscoito?

— Não. Por favor, fique à vontade.

Aceitando a sugestão, Carla escolheu um e mordiscou-o.

— Sabe — disse, pensativa —, estes são uniformemente excelentes em seu gênero. — Fez um gesto com a metade do biscoito que restara. — Vamos nos sentar e conversar sobre sua proposta?

Ela agia rápido, ele pensou com aprovação.

Talvez no mínimo acertasse no alvo sobre a atitude não absurda dela. Com um assentimento da cabeça, Arthur seguiu-a. Tivera sucesso na profissão, não por ser um Picoli de terceira geração, mas por ter a mente rápida e analítica. Os problemas eram sistematicamente resolvidos. No momento, precisava apenas decidir a maneira de abordar uma mulher como Carla Diaz.

Ela tinha um rosto que ficaria bem à sombra de uma árvore no Bois de Boulogne. Muito francês e muito elegante. A voz soava com aquele tom redondo, claro, que revelava as inconfundíveis educação e criação. Os cabelos presos talvez fossem uma concessão ao calor e à umidade, ele imaginou — embora ela mantivesse todas as janelas abertas, ignorando o ar-condicionado existente. Os brincos eram sem dúvida esmeraldas, redondas e perfeitas. Via-se um rasgo na manga da camiseta.

Sentou-se no sofá, apoiando-se nas pernas dobradas. Tinha as unhas dos pés descalços pintadas de um esmalte rosa-silvestre, mas as das mãos cortadas rentes e não manicuradas. Ele captou a sedução de seu perfume — um toque do caramelo das tortas, mas por baixo alguma coisa inconfundivelmente francesa, implacavelmente sensual.

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora