Capítulo 10

466 32 2
                                    

Bem, está feito, pensou Carla, com um ar sério. Puxou os cabelos para trás e prendeu-os com duas presilhas de madrepérola. Com um olhar crítico, examinou o rosto no espelho para inspecionar a maquiagem. Aprendera o truque de realçar seus melhores traços com a mãe. Quando a ocasião exigia, e ela estava no clima propício, explorava a arte. Embora achasse que o rosto que via refletido no espelho estava ótimo, esboçou de qualquer modo uma expressão séria.

Por raiva, ego ou simples perversidade, concordara em vincular-se à Picoli House, e a Arthur, durante o ano seguinte. Talvez quisesse de fato o desafio, mas já se sentia agoniada com o compromisso a longo prazo e com as obrigações que o acompanhavam.

Trezentos e sessenta e cinco dias. Não, era opressor demais, decidiu. Cinquenta e duas semanas dificilmente era uma imagem melhor. Doze meses. Bem, teria apenas de conviver com isso. Não, teria de fazer melhor que isso, decidiu Carla, ao se encaminhar de volta ao estúdio, onde gravaria uma demonstração para a tevê. Tinha de viver à altura de seu juramento de dar à Picoli House do Rio de Janeiro o mais excelente restaurante do país.

E assim faria, disse a si mesma, com uma jogada dos cabelos nos ombros. E assim faria com maldita certeza. Depois torceria o nariz para Arthur Picoli III. O sorrateiro.

Ele a manipulara. Manipulara-a duas vezes. Embora ela tivesse plena consciência disso na segunda vez, ainda assim fora seduzida a aceitar. Por quê? Carla correu a língua pelos dentes e observou a equipe de tevê preparando-se para a gravação.

O desafio, concluiu, torcendo o anel de ouro trançado em volta do dedo fino. Seria um desafio trabalhar com ele e manter-se no topo. Competir era sua maior fraqueza, afinal. Fora um dos motivos que a levaram a optar por uma carreira tipicamente dominada por homens. Oh, sim, gostava de competir. Melhor ainda, gostava de vencer.

Sabia o efeito que tinha sobre os homens. Um dom genético — sempre achara — herdado da mãe. Era raro ela prestar muita atenção à sua própria sensualidade. Tinha a vida cheia demais das pressões do trabalho e o completo relaxamento que exigia entre os clientes. Mas talvez fosse hora, refletia então, de alterar um pouco as coisas.

Arthur Picoli III definitivamente representava um desafio. E como ela ia adorar sacudir aquela esnobe arrogância. Como gostaria de vingar-se dele por manobrá-la para fazer exatamente o que quisera. Pensando nas várias maneiras e meios de ir à desforra, Carla observava ociosamente o público encher o estúdio.

A sala tinha capacidade para cerca de cinquenta pessoas, e parecia que tinha a casa lotada nessa manhã. As pessoas falavam em tom baixo, os murmúrios e arrastar de pés associados a teatros e igrejas. O diretor, um homenzinho nervoso com quem ela trabalhara antes, supervisionava às pressas do contínuo ao homem do som e a luz para a câmera, lançando os braços em gestos que demonstravam prazer ou pavor. Apenas extremos. Quando ele se aproximou, Carla ouviu suas rápidas e nervosas instruções com meio ouvido. Não pensava nele, nem na torta Vacherin, com base de merengue entremeadas de camadas de sorvete, creme de leite batido, ou sorvete, e, às vezes, morangos ou outras frutas. Continuava pensando na melhor maneira de lidar com Arthur Picoli.

Talvez devesse seduzi-lo de forma sutil — mas não tanto que ele não notasse. Depois, quando seu ego inflasse, ela ia... ia ignorá-lo totalmente. Uma ideia fascinante.

— A primeira base de merengue assada está no armário de material no centro.

— Sim, Boninho, eu sei — disse Carla, afagando a mão do diretor e repassando na mente o plano de vingança para detectar quaisquer falhas. Tinha uma enorme. Ela lembrava com demasiada clareza aquela vertiginosa sensação que a varrera de cima a baixo quando ele quase — por pouquíssimo — a beijara algumas noites antes. Se ela ia fazer esse tipo de jogo, talvez se descobrisse bagunçando as regras. Então...

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora