Por que diabo não conseguia parar de pensar nela? Sentado à escrivaninha, Arthur examinava os detalhes de um contrato de vinte páginas em preparação, para o que prometia ser uma longa e tensa reunião no conselho da diretoria. Não absorvia uma única palavra. Atípico. Tinha consciência, ressentia-se, e não conseguia fazer nada a respeito.
Há dias, Carla vinha-lhe invadindo de mansinho a mente e expulsando tudo mais. Para um homem que tinha como coisa garantida a ordem e o autocontrole, isso era de acabar com os nervos.
Logicamente, não havia razão alguma para aquela obsessão por ela. Chamava de obsessão por falta de termo melhor, mas não lhe agradava. Ela era linda, pensou quando as ideias divagaram para ainda mais longe de cláusulas e termos. Conhecera milhares de mulheres lindas. Era inteligente, mas mulheres inteligentes haviam passado por sua vida antes. Desejável — mesmo agora, no arrumado e silencioso escritório, ele sentia os primeiros movimentos da necessidade. Mas também não era nenhum estranho ao desejo.
Sentia prazer com as mulheres, como amigas e amantes. Prazer, refletiu, talvez fosse a palavra-chave — jamais procurara nada mais profundo num relacionamento com uma mulher. Mas não sabia se essa era a palavra correta para descrever o que já existia entre ele e Carla. Ela o levara — com demasiada força e rapidez — ao ponto onde seu controle inato fora abalado. Não, não sentia prazer nisso, mas a compreensão não o impedia de querer mais. Por quê?
Utilizando o habitual método de trabalhar a fundo até o fim de um problema, ele se recostou e, pegando a caneta, começou a relacionar as possibilidades.
Talvez parte da consistente atração fosse o fato de ele gostar de superá-la em estratégia. Não era uma coisa fácil de fazer, além de exigir pensamento rápido e cuidadoso planejamento. Até esse ponto, revidara em todos os embates. Mas era bastante realista para saber que isso não ia durar, e também bastante humano para querer tentar. Simplesmente aonde seria a próxima colisão?, perguntou-se. Em torno do trabalho... ou de alguma coisa mais pessoal? Qualquer que fosse o caso queria enfrentá-la de frente, tanto — bem, quase tanto quanto queria fazer amor com ela.
E talvez outra razão fosse o fato de saber que a atração era igualmente forte da parte de Carla — embora ela continuasse a negá-la. Ele admirava aquela força de vontade. Ela tratava a intimidade com desconfiança. Por causa do histórico de vida dos pais? Sim, em parte, ele imaginava. Mas não achava que tudo se devia a isso. Teria de escavar um pouco mais fundo para obter a imagem completa.
Queria escavar, percebeu. Pela primeira vez na vida, queria conhecer completamente uma mulher. O processo de pensamento, as excentricidades, o que a fazia rir, o que a aborrecia, o que realmente lhe faltava e queria em sua vida.
Quando a campainha na escrivaninha tocou, ele atendeu automaticamente, os pensamentos ainda concentrados em Carla Diaz.
— Seu pai já está a caminho, Sr. Picoli.
Ele olhou o contrato no tampo da mesa e arquivou-o mentalmente. Ainda precisava de uma hora com o documento antes da reunião de diretoria.
— Obrigado.
Mal soltara a tecla do telefone interno, a porta se abriu. José Picoli II entrou na sala e absorveu-a.
Em constituição e colorido, era semelhante ao filho. Os exercícios físicos e o atletismo haviam-no mantido esbelto e forte ao longo dos anos. Os fios grisalhos nos cabelos eram cobertos por um quepe branco de capitão do mar. Mas ele tinha olhos jovens e vibrantes. Movia-se com o descontraído e ondulante modo de andar de um homem mais acostumado a conveses do que a terra firme. Usava alpargatas nos pés sem meias e um relógio suíço no pulso. Quando sorriu, as rugas gravadas pelo tempo e pela exposição ao sol destacaram-se dos olhos e da boca. Ao levantar-se para cumprimentá-lo, Arthur captou o aroma salgado da brisa do mar que sempre associara ao pai.
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Sobremesa de Carla
FanfictionUma chef refinada, mas viciada em junk food? Quanto mais Arthur Picoli conhece a extraordinária confeiteira Carla Diaz, mais fica intrigado e decidido a contratá-la. Arthur quer o melhor profissional do ramo, e Carla possui uma experiência excelente...