Bordô

Capítulo 2

O elevador parecia se erguer lentamente, entre um andar e outro entravam alguns robôs. A atenção ao telefone era tanta que apenas saiam da caixa metálica sem ao menos verificar se o andar era correto. A música irradiava por todo o ambiente, me deixando cada vez mais irritada.

O som leve de uma flauta mudava periodicamente para algo parecido com o violão. Isso me permitiu pensar quantas vezes no dia eu teria que ser inundada por aquele áudio sem graça. E após ficar sozinha no elevador, eu pensei o quão chato era tudo aquilo.

Quando finalmente alcancei o andar indicado pela atendente, após a longa viagem monótona, as portas se abriram revelando um corretor de paredes brancas. 

Havia apenas um caminho, preenchido por quadros e esculturas. 

No fim do corredor, uma porta com uma fina repartição de vidro que me permitiam ver algumas pessoas trabalhando. No topo da porta "Equipe da Presidência".

Caminhei mais um pouco e me deparei com uma mesa vazia, apenas sobre ela um computador e uma agenda, perfeitamente disposta sobre a mesa. 

-Senhorita Fell - uma voz masculina surgiu atrás de mim. 

Me virei assustada, afinal, poucas pessoas sabiam meu nome naquele local e o som não me era nada familiar. 

Um homem alto me encarava pensativo. 

Sua roupa seguia o padrão corporativo: terno e calçado social. Porém havia algo em sua vestimenta que me chamou a atenção, uma gravata vermelha completamente fora dos padrões que havia visto. O tom do tecido era chamativo e diferente, como se gritasse para que todos lhe olhassem.

-Fico contente que já esta se familiarizando com o local - repetiu em um tom neutro. 

Seu olhar não era como os dos outros, não havia critica na forma como me encarava, apenas instigação. 

Os fios de seu cabelo perfeitamente alinhados combinavam com o terno sob medida que provavelmente deveria custar uma fortuna. Um perfeito exemplo dos mocinhos que apareciam nos filmes românticos.

-Muito prazer, sou Marcos Moonlight - ele estendeu a mão. 

Retribui a ação, mesmo que o toque de sua pele  me produzisse alguns arrepios.

-Emma Stell, espero que meus esforços sejam suficientes para alcanças suas expectativas, senhor Moonlight - falei. 

Pude ver um sorriso de canto se esgueirar por seus lábios, mas logo sua expressão séria se reestabeleceu. 

-Não tem medo? - perguntou. - Afinal, muitas desistiram antes de você. 

Sua atitude entregava seu comportamento padrão de intimidação. Talvez tenha utilizado dessa tática com as outras funcionárias.

-Se desistiram tão fácil é porque não estavam preparadas para o serviço - constatei. - E eu espero estar pronta. 

O rapaz me lançou um olhar curioso e uma tensão tomou conta do local.

-Espero que realmente seja qualificada para esse cargo - falou com rispidez. - Não quero ter que ficar explicando o básico sobre com fazer o seu serviço.

A porta da frente se abriu, interrompendo o momento, o que me deixou parcialmente relaxada. Confesso que fiquei agradecida, pois não sabia quanto tempo eu aguentaria sem socar a cara daquele mauricinho idiota.

-Marcos - o homem cumprimentou com seriedade.

Percebi a mudança na expressão de Marcos imediatamente. Havia raiva, era quase como se a voz daquele homem fosse o pior gatilho para o seu emocional.

Pelo clima pesado que se estabeleceu no local eu rapidamente pude entender que a relação dos irmãos era realmente como as fofocas descreveram. Não havia amizade ou companheirismo naquelas expressões. Os olhares eram cautelosos, como em um duelo no faroeste. Eles pareciam prontos para contar cinco passos e atirar.

-Senhor Moonlight - me virei para o meu novo chefe. - Muito prazer em finalmente conhece-lo. Me chamo Emma Fell e serei sua nova assessora.

Finalmente consegui captar a atenção do presidente. Mas infelizmente o arrependimento tomou conta de mim assim que notei como seus olhos me analisaram.

Senti como se fosse uma pequena lebre na frente de um lobo. O olhar esfomeado demonstrava o interesse carnal, enquanto seu sorriso sugestivo demonstrava suas segundas intenções.

-Com certeza você é a secretária mais bela que já tive - seu tom de você estava completamente diferente. Havia doçura e safadeza ao mesmo tempo.

-Obrigada senhor, mas espero que meu serviço lhe agradem tanto quanto a minha beleza, afinal estou aqui unicamente para lhe auxiliar com suas documentações - meu tom sério não pareceu surtir efeito e o homem continuou a me encarar.

Uma lufada de ar nos interrompeu  e me virei, encontrando um impaciente Marcos agitando um papel a sua frente.

-Preciso que assine esses documentos - falou.

Ele me olhou com cautela e não pude esconder minha gratidão por aliviar o clima. Graças a sua interrupção, Iago havia me deixado de lado e esbanja uma carranca de poucos amigos para seu irmão.

Deveria parar de depender da interrupção de terceiros e deveria desenvolver minhas próprias táticas para me livrar desses irmãos. 

O homem tomou os papéis com arrogância e se virou, voltando em direção a sua sala.

-Obrigada - falei enquanto me virava e começava a ajeitar minha mesa, não que tivesse muito a ser ajeitado sobre ela.

-Mesmo que todos me culpem pelas demissões anteriores, - ouvi sua voz como um sussurro - não é de mim que tem que ter medo. Tenha cuidado, senhorita Fell, você parece ser uma boa moça.

Marcos não me deu tempo para perguntar o que tudo aquilo significava e entrou no corredor que dava acesso ao elevador. Vi apenas sua silhueta desaparecer.

Não havia muito o que contrariar no que ele havia me confidenciado. Era notório que Iago era um pervertido da pior espécie e trabalhar com ele será uma grande provação, mas por enquanto é minha única opção.

Eu precisava daquele emprego a todo custo.