Capítulo 3

6.6K 476 22
                                    

O dia se iniciou calmo.

Para a minha sorte, Iago tinha uma reunião agendada para a parte da manhã e isso me permitiu algumas horas sem sua presença desagradável. Porém, o tempo que me foi dado não foi suficiente para que eu pensasse em uma forma de me livrar daquele comportamento asqueroso. 

Tirei o período da manhã para compreender sua agenda e me adequar aos eventos que tinha dispostos nela. Como sua chefe de gabinete, eu precisava compreender os horários vagos em sua agenda.

Porém, enquanto ainda estava imersa em meus pensamentos, ouvi leves passos se aproximando. O delicado toque de um salto fino se cessou.

Ergui meu rosto e me deparei com uma linda mulher. Diferente outras funcionárias, ela usava um blazer bege, com uma blusa social cinza por baixo. Para compor seu look uma calça social na mesma cor do blazer. Os cabelos loiros não estavam em um típico coque, mas alinhados em um firme rabo de cavalo.

-Senhorita Fell, os aditivos da fusão com a Miller - uma mulher disse ao colocar os documentos sobre a mesa. 

Miller. Eu havia visto na agenda uma reunião na semana passada com um representante dessa empresa, provavelmente trataram dos últimos detalhes dessa fusão. Precisava me inteirar sobre todos os assuntos burocráticos que permeavam a presidência.

Encarei o conjunto de folhas, que estavam perfeitamente ajeitadas com um clipe cor de rosa. 

-Farei a verificação e encaminharei para o senhor Moonlight assinar - falei. 

A mulher me olhou por um tempo. 

-Não há necessidade, senhorita - disse. - Já fiz a verificação completa do documento. 

Abri um sorriso amigável, mesmo que em meu interior eu desejasse trata-la de forma grosseira. Era meu primeiro dia e precisava causar uma boa impressão. 

-Então não encontrarei nenhum erro durante minha verificação - falei. 

A mulher imediatamente segurou novamente os documentos em seu braço. 

-Eu mesmo entrego ao senhor Moonlight - falou com rispidez. 

-E eu o avisarei que a senhora não me deixou conferir o documento, assim ele mesmo terá que fazer a leitura antes de assinar - tentei não esbanjar sarcasmo em minha voz, mas era muito complicado. - Pouxa, o presidente terá um trabalhão.

Fiz uma expressão triste e beicinho. 

Percebi que o olhar da mulher automaticamente mudou, senti que eu poderia a qualquer momento ser agradecido com o clipe cor de rosa.

-Você sabe que chegou hoje a essa empresa, certo garota? - ela retalhou. 

Suspirei fundo. Percebi que a paciência era uma virtude naquele ambiente. 

-E você sabe que mesmo chegando hoje eu ainda sou sua superior, certo? - a respondi. - E a propósito, me chame de senhorita Fell. Não lembro de ter lhe dado intimidade para me chamar de garota. 

Os pés pesados e a bufada raivosa entregaram que eu havia conquistado uma nova inimiga. Perfeito para um primeiro dia. Mas não poderia ter outro comportamento, afinal sua relutância na minha leitura do documento era no mínimo suspeita. 

Mesmo que fosse um simples capricho pelo fato de eu ser contratada recentemente, ainda assim, não deixaria que esse tipo de atitude continuasse acontecendo. 

Pesquisei sobre a fusão das empresas na internet. Mas não havia nenhum tipo de noticia. 

O nome Miller estava atrelado a uma pequena corporação que tinha sua sede centralizada no interior do estado. O produto principal era o fornecimento de alimentos orgânicos. 

-Senhorita Fell - Iago me chamou. 

O rapaz estava na minha frente com um olhar curioso. 

-Poderia vir a minha sala? - me chamou. 

Ele segurava um conjunto de documentos bem familiar. O clipe rosa entregava a fofoca. 

-Claro, senhor presidente - falei, me levantando. 

Minha cabeça já estava a mil e olhei para trás, bem a tempo de ver a loira com um sorriso debochado em seu rosto. 

A parte interior do escritório era em tons de gelo. Os móveis pareciam aqueles desenhados por alguém que com certeza recebeu uma casa pelo serviço. 

Iago se sentou em uma linda poltrona bege que ficava atrás de uma mesa marrom. 

-Sente-se - ele indicou a cadeira a frente da mesa. 

Caminhei lentamente, mantendo minha expressão séria. 

-Fui abordado assim que sai do elevador - ele falava com despreocupação. - Me informaram que você distratou a Crissa. 

-E ela esta completamente certa em ter dito isso - afirmei. 

Isso o pegou de surpresa. Era como se seu discurso tivesse sido moldado para uma negativa e agora ele não tinha o que falar. 

-A funcionária queria lhe entregar os documentos que estão em sua mão - apontei, frisando que eu sabia que ela havia lhe entregado. - Porém, quando disse que faria a verificação antes de solicitar sua assinatura, a mesma se recusou. 

O rapaz encarou os documentos. 

-E o que ela fez? - perguntou curioso, como uma criança instigada pela história do lobo mal ele debruçou sobre a mesa e me encarou. 

-Tomou os documentos para si e disse que entregaria diretamente para o senhor - falei. 

Ele encarou novamente os documentos e se ajeitou na cadeira. 

-Peço que por favor faça a leitura do documento - ele disse entregando os arquivos em minha direção. 

Peguei as folhas e as alinhei ao redor do meu braço. 

-Como o senhor desejar, senhor Moonlight - falei com firmeza. 

Me levantei e acenei com a cabeça, caminhando em direção a saída. 

-Emma, somente quero acrescentar três coisas - ele disse tomando minha atenção.

Girei meu corpo e o encarei, o homem estava próximo a janela e olhava o horizonte com admiração. Parecia alguém completamente diferente do que havia conhecido mais cedo. 

-Claro, pode falar senhor - falei, assim que notei que um silêncio preencheu o local.

-Primeiro, quero que anuncie que nenhum documento será assinado sem antes a sua leitura - finalmente o homem se virou para mim. - Estranhamente, você é a primeira secretária em quem confio. Espero que não me decepcione. 

A falta de confiança em suas próprias funcionárias demonstrava que muitas coisas teriam acontecido antes da minha chegada. 

-Muito obrigada senhor, mas estou fazendo apenas o meu trabalho - o respondi. 

Seu sorriso foi caloroso e sincero.

-Segundo, peço que não me chame de senhor - ele deu de ombros. - Sou apenas três anos mais velho que você. 

Eu havia notado que ele tentava traçar uma linha mais intima entre nós, principalmente ao me chamar pelo meu primeiro nome. 

-Chamá-lo de forma informal, além de trazer olhares negativos para a nossa relação profissional, também é algo que não poderia devido a minha posição - tive que me conter para não dizer um senhor no final da frase. 

Ele notou minha relutância e soltou uma doce risada. 

-Então me chame de Iago quando estivermos nós dois e na frente dos outros de senhor, pode ser? - ele perguntou fazendo beicinho. 

Seu olhar deixou bem claro que não aceitaria um não como resposta. 

-Tudo bem... Iago - falei sem conseguir controlar uma risadinha. - Mas qual seria o terceiro ponto?

Iago me encarou com intensidade. 

-Muito obrigada - disse apenas e se virou para sua paisagem. 

Fiquei alguns segundos parada no batente da porta, mas não havia mais nada a ser acrescentado por ele. Sussurrei um 'eu que agradeço', que duvido ter chegado aos seus ouvidos, e sai de sua sala.

BordôOnde histórias criam vida. Descubra agora