Capítulo 10

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A conversa se seguiu tranquila, mas conseguimos terminar o debate sobre a banana no lanche bem a tempo de nosso pedido chegar a mesa. 

-Aqui, senhores - o garçom falou. - Algo mais em que posso ajudar?

Eu não prestava muito atenção no que estava acontecendo e apenas encava o lanche como se aquele fosse o maior tesouro que pudesse receber naquele momento. Meu estomago se revirava dentro de mim, demonstrando a importância daquele alimento.

-Estamos bem, obrigada - ouvi Marcos responder o rapaz, que retomou ao seu posto. 

Marcos deu uma risada, desprendendo minha atenção do lanche. 

-O que é engraçado? - perguntei. 

Ele apontou na direção do balcão. 

Os garçons me olhavam e ao notar que acabaram de ser pegos no flagra se viraram. 

-Todos estão fascinados com você - respondeu. - E o fato de lhe chamar de amiga pode ter lhes dado um pouco de esperança. 

-Nem percebi - falei ignorando os rapazes. 

Peguei o lanche e o mordi. Aproveitei cada mordida com prazer, satisfazendo todos os meus desejos naquele momento. 

-Você estava mesmo com fome - Marcos gargalhou. 

Encarei o lanche em minhas mãos, realmente eu havia caprichado na mordida. 

-E você se mostrou muito atencioso, senhor Moonlight - falei. 

Ele deu de ombros e também caprichou na mordida. 

-Senhorita Fell, conte-me mais sobre você - disse ao se preparar para mais uma mordida. 

Peguei o refrigerante e comecei a nos servir, engolindo uma boa golada do liquido.

-Não há muito o que falar a meu respeito - o respondi. 

Ele levantou a mão em sinal de espera e apontou para sua boca ainda cheia de comida. 

-Você me intriga, de certa forma - finalmente disse, enquanto eu me deliciava com mais uma porção do meu lanche. - Você é diferente das mulheres que conheço. 

O olhei com intensidade. Estávamos um estudando o outro.

-O problema é que só não procurou outro tipo de mulher, mas existem muitas como eu por ai - falei. - Então esse papo furado não funciona comigo. 

Ele riu sem humor. 

-Pode parecer mentira, mas é verdade - falou. - Você é divertida e fácil de conversar. Não se espanta ao ver um herdeiro dentro de um fusca ou de sair para comer um lanche. Só acho diferente, mas um diferente legal.

-Já diziam as propagandas, ser diferente é normal - brinquei.

Outra risada sem humor. 

-Mas muito obrigada, senhor Moonlight - falei enquanto o encarava. 

Seu olhar foi atraído na minha direção por alguns segundos.

-Me chame de Marcos - falou. - Somos amigos. 

Dei uma leve gargalhada. 

-Para sermos amigos precisamos saber um segredo do outro - brinquei. 

Ele me estudou por um tempo, se aproximou e depositou o peso de seu corpo sobre o cotovelo. Com a mão ao lado da boca ele sussurrou:

-Segredos sujos? - ele abriu um sorriso travesso. - Não pensei que curtisse esse tipo de coisa, Emma.

O rapaz gargalhou alto, provavelmente por conta da minha expressão assustada.

-Idiota - falei e dei uma mordida no meu lanche.

-Sinceramente? - Marcos perguntou enquanto recuava. - Não tenho muitos segredos e não consigo imaginar que se qualifique dessa forma.

O rapaz voltou sua atenção para o alimento.

-Sempre teremos algo do qual nos envergonhamos ou nos orgulhamos secretamente - falei com casualidade.

Marcos ficou pensativo.

-Algo do qual eu me orgulhe ou me envergonhe - repetiu em um sussurro.

-Por exemplo - comecei a falar. - Me envergonho por não ter sido uma filha melhor para a minha mãe, mas sinto orgulho de hoje pode ajudar ela de alguma forma. 

Aquilo era o máximo que eu poderia dizer da minha vida pessoal a qualquer pessoa que fosse. A verdade por trás da filha Fell era uma decepção muito grande e muitos me culpavam pelo que tinha acontecido com a minha mãe. Mesmo que eu não tivesse interferência direta, sabia que se tivesse sido mais presente, talvez poderia ter evitado algumas coisas. 

-Me envergonho de toda essa briga que eu e Marcos temos - o ouvi falar baixo, quase inaudível. - Nem sempre foi dessa forma, éramos amigos e confidentes.. Mas tudo mudou. 

O estudei por alguns segundos. Ele tinha um olhar arrependido e parecia imerso em sua história. 

-Quando as coisas mudaram? - o questionei. 

Ele deu de ombros. 

-Nem eu mesmo sei - falou. - Começaram com algumas fofocas, meu pai sempre irritado comigo, até por fim descobri que era Marcos me rebaixando. A pessoa em que eu mais confiava estava com medo de que eu tomasse seu lugar como herdeiro. 

Finalizei meu lanche, mas atenta a tudo que ele falava. 

Eu sentia verdade na forma como ele falava. Era nítido suas amarguras e como tudo aquilo lhe afetava.

-E do que se orgulha? - perguntei. 

Seu olhar foi de curiosidade, mas parecia pensar em algo para que pudesse apresentar como resposta. 

-Não consigo pensar em algo que seja digno de se orgulhar - concluiu por fim. - Não sou uma boa pessoa, Emma.

-Ninguém é uma boa pessoa, Marcos - falei. - Todos temos algo sombrio dentro de nós. Porém sempre terá algo que você olhará e terá aquela sensação de 'fui eu que fiz isso'. E esse pequeno sentimento te mostrará que realmente vale a pena lutar por si. 

Eu tinha muita experiência nesse ramo. Constantemente negligenciei a mim mesma e somente quando tudo mudou que notei que precisava mudar também. 

-Você é engraçada, Emma - ele abriu um sorriso brincalhão. 

-Que bom que eu o divirto - disse enquanto limpava minha mão em uma guardanapo. 

Ele me olhou com cautela, era quase como se seus olhos pedissem permissão para algo pecaminoso. Sem esperar por uma confirmação, ele se ergueu de sua cadeira e caminhou até o meu lado. 

Marcos se abaixo e confesso que minha pressão já fazia o mesmo. O cheiro de seu perfume automaticamente entrou pelo meu nariz me extasiando. Ele era como um grande pedaço de mal caminho, ao qual eu não tinha possibilidade de acesso

Com seu polegar, ele afagou algo em minha bochecha e em seguida levou o dedo aos lábios. A área que ele havia toda ficou anestesiada com os formigamentos que percorreram minha pele. 

-O cheddar é gostoso - falou pensativo.

Sei que pode parecer clichê, mas vi seus lábios se moverem lentamente ao redor de seu polegar. Uma clássica cena de um filme romântico qualquer. 

-Preciso ir ao banheiro - falei ao me levantar brutalmente e correr em direção aonde indicava o local. 

BordôOnde histórias criam vida. Descubra agora