Capítulo 23

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Não demorou muito para que Marcos chegasse em nosso apartamento e a batida na porta me deixou contente. 

Encarei a porta e fiquei estática, sem conseguir me mover. Era como se meu corpo tivesse congelado naquela posição e eu não pudesse me mexer. Todos os meu nervos estavam trêmulos e meu estomago se revirava em minha barriga. Aquelas eram as temidas borboletas? Seja lá o que fosse, eu me sentia sendo puxada por uma força magnética irresistível. 

-Entre, rapaz - minha mãe, que havia ido recebe-lo, gesticulou com braço para que fosse em direção a sala. O sorriso dela estava muito próximo de rasgar suas bochechas. 

Marcos estava visivelmente envergonhado, suas bochechas coradas lhe entregaram logo que chegou. Em suas mãos, dois pequenos buquês de margaridas, enrolados em um papel verde musgo com uma fita vermelha.

-Boa noite - ele disse em minha direção com um olhar intenso e cheio de significados, como se tentasse me enviar sinais. 

As palavras frearam em minha garganta e eu apenas balbuciei algo que não entendi e em seguida acenei com a cabeça como uma idiota. Ter ele me encarando daquela forma estava me desestabilizando, era como se meu corpo de repente fosse feito de gelatina.

-Acho que isso foi um boa noite - minha mãe se aproximou dele com a mão sob o queixo. - Difícil entender quando ela começa agir como uma retardada. 

Marcos não conseguiu conter a gargalhada. 

-Obrigada senhora Carmen, acho que sua tradução foi perfeita - ele respondeu, aparentando estar mais a vontade. Aparentemente meu surto de idiotice o fez ficar mais confortável com a situação.

Ele estendeu um buque para minha mãe, que apanhou o objeto com delicadeza e o encarou admirada. 

-Para a senhora - ele disse cordialmente, um tom elegante, mas ao mesmo tempo sensual. 

Minha mãe lhe puxou para um abraço, pegando-o de surpresa.

-Muito obrigada, meu filho - disse ao solta-lo. - Eu amei. 

-Por nada senhora, eu que agradeço pelo convite - o rapaz respondeu, arrumando o terno de forma desengonçada. 

Minha mãe sorriu em minha direção e me lançou uma piscadela. 

-Vou preparar a mesa, cuide dele Emma - ela não conseguia disfarçar e ficava acenando com a cabeça freneticamente em direção a Marcos. 

Depois de me humilhar com sua sessão de mico, ela se direcionou a cozinha com o buque em mãos enquanto cantarolava animadamente.

-Esse é para você - ele disse me estendendo o outro buque. 

Minha primeira reação, após pega-lo, foi cheirar as pétalas. Não havia nenhum cheiro incomum, o que me fez questionar porque as mocinhas dos filmes sempre faziam isso. Mais um ponto para a realidade, evidenciando constantemente que não estou em um livro da Carina Rissi.

-Não gostou? - a voz de Marcos me desprendeu de meus pensamentos. 

Não pude evitar de sorrir. 

-Eu gostei e muito - o respondi com sinceridade. - Só pensei que teria outro cheiro, pois sempre que assisto a um filme a mulher cheira as flores e parece feliz. 

Ele riu um pouco, antes de se aproximar e cheiras as flores. 

-Tem cheiro de flores - brincou com um enorme sorriso estampado em seu rosto. 

Repeti o movimento, deixando nossos rostos próximos. Não era uma distância tão curta, mas a tensão nos tomou. Meus olhos ficaram fixos nos dele e por alguns segundos me senti como se estivesse me afogando em meio a ele. Ao meu redor só haviam vestígios de Marcos e cada detalhe me tomava com uma necessidade dele.

Ele se distanciou, mesmo que seu olhar entregasse a tristeza que tal ato gerou. 

-Não sabia qual eram as flores que você gostava - ele disse envergonhado. - Também sei que não gosta de nada extravagante... Enfim... Eu só queria ser gentil. 

Toquei seu braço gentilmente. 

-Eu amei - falei. - Elas são lindas, Marcos.

Ele me olhou com atenção. Havia carinho, mas algo se sobressaia na forma como me encarava. 

-Fico feliz que tenha gostado - disse por fim. 

Minha mãe retornou a sala com um olhar desconfiado. Provavelmente em sua cabeça, ao nos dar um tempo a sós ela voltaria e nos toparia em uma cena romântica. Percebi, pela breve frustração em seu olhar, que o ambiente amigável não era o que ela esperava. 

-Refeição sobre a mesa - ela anunciou. 

Marcos puxou o ar com vontade e sorriu. 

-O cheiro esta maravilhoso, dona Carmen - falou como um perfeito genro puxa saco. 

Não pude conter uma gargalhada. 

-A probabilidade de estar com gosto de plástico é muito grande - provoquei. 

Minha mãe arremessou um pano de prato em minha direção. 

-Então não coma - me respondeu e voltou bufando para a cozinha. 

Marcos me lançou um olhar preocupado. 

-Estou brincando - sussurrei. - A comida dela é maravilhosa. 

Ouvi um suspiro escapar de seu lábios. 

-Venha - eu disse.

Minha mão institivamente tocou seu cotovelo e meus dedos se envolveram ao redor de seu braço. As faíscas foram imediatamente irradiadas por meu corpo, como se sua pele fosse uma tomada 220V. 

Para evitar maiores constrangimentos, arrastei Marcos pela sala. 

Não poderia simplesmente largar seu braço, pois ele poderia interpretar da forma errada. Mas também não conseguiria ficar muito tempo lhe tocando, ou eu acabaria entregando minha atração por ele. 

Assim que chegamos a cozinha, me desvencilhei de seu braço e me acomodei em uma das cadeiras vazias. Minha mãe estrategicamente ocupou uma cadeira e colocou os pratos em duas cadeiras vagas que ficavam lado a lado. 

A encarei com um olhar estreito e ela apenas deu de ombros. 

Nossa comunicação era boa o suficiente para que conversássemos com olhares e naquele momento eu a estava repreendendo. 

-Não sabia o que gostava de comer, então fiz algumas variedades - disse minha mãe, cortando nossa comunicação. 

Marcos avaliou o que estava disposto sobre a mesa. 

-Tenho certeza que irei gostar de tudo, senhora Carmen - ele a respondeu. 

Ela deu uma risada acolhedora. 

-Se me chamar de senhora mais uma vez, eu vou te bater com uma colher de pau - ela disse, arrancando alguns sorrisos de Marcos. 

-Pode deixar - ele falou com os braços erguidos em rendição. 

O restante do jantar foi animado e minha mãe aproveitou o momento para me envergonhar em todos os idiomas possíveis.  Marcos parecia se divertir com as histórias que ouvia e sempre a enchia de pergunta sobre os relatos. 

Ambos contentes com as vergonhas as quais fui submetida. 

Naquele momento todas as minhas preocupações foram esquecidas. Naquele momento eu me senti como se realmente estivesse levando um pretendente para minha mãe conhecer. Naquele momento eu desejei silenciosamente que Marcos retribuísse meus sentimentos. 

Talvez alguma força maior pudesse ouvir minhas preces. Talvez, em algum lugar, alguém tornasse possível que eu e Marcos ficássemos juntos. 

BordôOnde histórias criam vida. Descubra agora