Capítulo 21

3.4K 248 10
                                    

-Emma? - minha mãe perguntou assustada, assim que me viu entrar pela porta. 

Ela segurava um pano de prato nas mãos e usava um avental rosa escrito "hora de cozinhar". Queria sorrir, pelo menos comeria a comida de minha mãe naquele almoço.

Abri o melhor sorriso que consegui. Não poderia lhe dizer o que me preocupava. Sabia que aquele dia seria longo e meus pensamentos seriam todos direcionados a uma única decisão.

-Mamãe, que cheiro maravilhoso - falei, forçando minha narina pelo ambiente. 

Realmente, o ar estava tomado por cheiro de comida fresca, o que fez minha barriga roncar e minha boca salivar.

Seus olhos pesaram sobre mim, a preocupação estampada de forma evidente por todo o seu rosto. 

-O que aconteceu? - perguntou sem rodeios. 

Dei de ombros e me joguei no sofá. 

O objeto macio me engoliu em um abraço e pela primeira vez naquele dia me senti realmente confortável. 

-Ganhei o dia de folga - falei enquanto tentava parecer o mais animada possível, para ilustrar minha alegria, a frase se seguiu com algumas palmas. 

Minha mãe se sentou ao meu lado e colocou a mão sobre a lateral do sofá, quase como se formasse uma gaiola ao meu redor.

-Isso tem relação com as fofocas? - perguntou. 

Era óbvio que ela sabia e não poderia mentir para ela. 

-Um pouco, pediram para eu ficar hoje em casa até as coisas se acalmarem - falei. - Mas esta tudo bem.

Seu olhar me analisava por completa e eu teria que ser muito cautelosa com minhas palavras, mas ainda mais com minha expressão. Meu ponto fraco era não saber esconder meus pensamentos e sempre os estampava em meu rosto. 

-Como foi o caminho para casa? Ocorreu tudo bem na alta? - perguntei, tentando mudar de assunto. 

Ela revirou os olhos. Odiava falar sobre hospitais e consultas. 

-Tenho uma consulta com o doutor Evandro amanhã - ela disse com insatisfação. - E já sei que ele vai me encaminhar para a quimioterapia de novo, o lado bom é que essa é uma nova e mais em conta.

Suspirei fundo. 

Os tratamentos baratos era bons para o nosso financeiro, mas ineficazes para ajudar minha mãe e apenas retardavam o avanço da doença. Eu sabia que não tínhamos condições de algo melhor e ela sempre tentava parecer otimista. 

-Não se preocupe, mãe - falei com uma voz tranquila. - Estou ganhando bem nesse novo emprego, podemos procurar algo melhor. 

Ouvi um estalo de língua e ela revirou os olhos.

-Está na cara que você corre risco de ser demitida, Emma - falou. - Não podemos arriscar. 

A encarei por um tempo. Não adiantava tentar esconder minhas preocupações dela, minha mãe sabia as consequências que aquela fofoca geraria. E naquela situação eu só pensava na proposta do senhor Moonlight.

Eu poderia ajudar ela. Poderia de alguma forma lhe fornecer o melhor possível. 

A proposta era boa e eu teria muitos benefícios, mas a que custo? E se nesse período eu me apaixonasse por Marcos como nas comédias românticas? Eu teria forças para deixa-lo depois dessa fatídico ano?

-Fique tranquila - tentei acalma-la. - Não serei demitida. 

Ela pareceu relaxar um pouco, mas ainda era possível ver a tensão por todo o seu corpo.

Ambas sabíamos que o meu salário era importante para nossa sobrevivência. 

-Mas que bom que a fofoca foi com o bonitão - ela brincou, mesmo que seus olhos ainda estivessem atentos a minha reação. 

Agora era o meu momento de revirar os olhos. 

-Mãe - a repreendi. 

Ela soltou uma doce gargalhada e se levantou, chacoalhando o pano de prato que estava em sua mão. 

-Mas sério, gosto daquele rapaz - disse. - E acho que ele gosta de você. 

Qualquer que fosse a verdade por trás dos sentimentos de Marcos, toda aquela situação havia me deixado em alerta. Eu e Marcos vivíamos em mundo diferentes, não pertencíamos ao mesmo grupo social. A partir do momento que aceitasse a proposta de compromisso com ele seria tudo mentira. 

E se minha mãe se afeiçoasse a ele? Como poderia romper esse laço ou dizer a ela que tudo não passou de um contrato por seu tratamento?

-Para com isso mãe - falei enquanto me levantava de ia em direção ao meu quarto. 

-Emma - a ouvi protestar, a voz parcialmente distante ecoava pelo ambiente.

O som dos passos preenchendo o corredor e rapidamente ela já estava próximo a mim. 

-Você tem que começar a se preocupar mais com você - ela disse. - Você é uma menina incrível e merece alguém legal.

Já havia chegado na porta do meu quarto e me virei com delicadeza para ela. 

Aquele não era o momento para falar sobre os sentimentos de Marcos ou até mesmo os meus. Marcos era sim um bom homem e eu via isso nele, mesmo que tentasse esconder a todo custo esse seu lado. Porém, diante de toda essa situação, sentimento era a ultima coisa que poderíamos considerar um do outro.

Nós nos magoaríamos, eu sabia disso. Como em qualquer comédia romântica, surgirá algo que dificultará nossa relação. Mas diferentes do filmes, isso é a vida real e nenhuma fada madrinha pode mudar as coisas em um passe de mágica. 

-Não vamos falar sobre isso - pedi, deixando claro em meu olhar que aquele não era o momento.

Ela entendeu e não precisou de mais explicações, apenas balançou a cabeça e forçou um sorriso em seu rosto. 

-Ele pelo menos vem para o jantar? - perguntou depois de alguns segundos de silêncio. 

Em meio aquela confusão, não sabia mais o que aconteceria. Da mesma forma que Marcos poderia aparecer em nossa casa naquela noite, ele também poderia optar por me evitar nesse momento. Era difícil prever qual seria sua decisão. 

-Vamos esperar para ver - falei, abrindo minha porta. 

Dei um passo para dentro do meu quarto e suspirei. 

Eu queria que ele viesse.

-Pelo menos seja gentil, ele é um bom rapaz e eu geralmente não erro - falou com uma voz suave e retomando sua caminhada para a sala. 

Apenas concordei e fechei a porta, ficando sozinha com as vozes em minha cabeça. 

BordôOnde histórias criam vida. Descubra agora