44- A vida é um sopro.

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"Tem alguma coisa em ficar no escuro que faz a gente se lembrar do quanto o mundo é grande e o quanto estamos distantes uns dos outros. As estrelas parecem estar tão perto que daria para esticar o braço e tocá-las. Mas não dá. Às vezes as coisas parecem bem mais próximas do que realmente estão."
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Porão, 3h30

O sangue trilhava um caminho certo pela bochecha da jovem; os olhos, mantinham-se fechados. A pele, ficava cada vez mais clara. Ela tinha a aparência de um combatente de guerra, mas com a palidez de um doente. Parte de suas vestes estavam em um estado deplorável, seu corpo... Tão fragilizado; não expressava nada além de fraqueza.

- Qual o sentido disso tudo? - A voz falhada de Lia tomou conta do ambiente escuro, ela estava exausta. Apenas queria uma trégua, uma conversa civilizada; Jéssica a queria em frangalhos. - Acabar comigo não trará Victoria de volta, Jéssica. Isso é um erro.

- Isa trará. - Sentou-se na cadeira ao lado, rodopiando um canivete em seu dedo indicador. - Não vê, menina? O lugar dela é ao meu lado, junto a nossos filhos.

- Nossos filhos? - Lia indagou. - Aquele menino não é filho dela. E, mesmo que haja a menina, o que pensa que irá acontecer quando ela descobrir a paternidade dessas crianças, hein? Não contou para ela que têm um filho com o cara, né?

Jéssica cessou seus movimentos, inclinando-se na direção da jovem, deslizando sua palma pela pele ensanguentada, formando uma arte abstrada com a ponta dos dedos; Lia, sequer tentava desvenciliar-se, sabia que era burrice lutar contra às correntes metálicas maltratando-lhe os pulsos, tornozelos e a cintura. Então sentia. Sentia tudo. O olhar diabólico consumindo seu corpo, a brutalidade em uma agressão covarde, o desdém, a maldade. A fúria de quem muito quer e nada pode ter. O canivete passeia pela jugular enquanto a loira umedece os lábios, se fazendo em sorrisos. Suas orbes escontram as de Lia, se demorando ali, a resposta surge:

- Não, eu não contei... - Rodopiou a ponta do objeto na derme de Lia, assistindo o medo aparecer em sua expressão. - Mas, não poderá contar também. Está presa aqui, e, não tenho a intenção de solta-la tão cedo.

- Você é doente. - Lia cuspiu tal dizer. O objeto deslizou, parando um pouco abaixo de sua clavícula. Sentiu arder, enquanto via sua pele se rasgar mediante ao corte. - AAAAAH! - Gritou, olhando seu sangue escorrer, molhando suas vestes, encharcando-as. - SOCORRO! ALGUÉM! SOCORRO!

- EU JÁ FALEI PARA NÃO GRITAR, GAROTA! - Jéssica rebateu, apertando-lhe as bochechas com a mão livre, afundando a ponta do objeto dentro do corte recente, girando-o. - Quanto mais gritar, mais irei machucar...

Lia entrebaiu a boca, mas nada disse, fechou-a, mordendo fortemente o lábio inferior, prendendo outro grito em sua garganta. Lágrimas brotaram na linha d'água, despencando rápidas; como queria que toda essa merda se resolvesse. Que essa dor passasse, e, seu sangue parasse de fazer arte em solos hostis. Era certa sua morte. Um dia. Ela não precisava bater na porta tão cedo. Precisava? Em quem ela pensava meter medo? Afinal, sabe-se que, mal nascemos e já começamos a morrer.

-... viu? Não precisa chorar. Já foi, um cortezinho de nada. - Deu de ombros, afastando-se. - Estou sendo bondosa, Lia. Eu poderia matá-la e não o fiz. Vamos fazer um acordo, sim? - Encostou-se por completo na cadeira, não desviando seu olhar.

- Eu... fazer acordo com você? - Lia disse em um sopro, tentando ignorar o zumbido que lhe tomava os ouvidos em um sinal de que havia perdido uma quantia significativa de sangue; sua pressão arterial estava a despencar, sua consciência já encontrava-se confusa novamente. Mas, tentaria aguentar ao máximo. - Eu preciso... de... um pouco de água.

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