41- Escolhendo a verdade.

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A chuva despencava pelas ruas da capital paulista; molhava tudo que lhe era impossível. Invadia, em sorrateira intrusão, pequenos espaços, respingando água brutalmente nos vãos. Molhava pessoas, limpava espaços. Mas, não tocava a derme seca de Victoria; sequer esgueirava-se para a porta d'alma, onde haviam, intrínsecas, manchas de uma dor profunda; ressentimentos que, pareciam permanentes.

Após anos, o sofrimento ameniza. Era uma verdade. A ferida que, diante do feito, jorrara, deixa de sangrar. Mas, só porque não deságua em vermelho, não significa que deixou de permanecer. Ela continuaria lá. Ela carregaria sua história, teria o árduo fardo de ser uma lembrança dolorosa. Daquelas que maltratam; sugam o ser para o limbo, uma esprial de sofrimento gigantesca. Ela permaneceria. Adormecida. Até que alguém a olhasse, a tocasse intimamente, sem usar as mãos, numa falsa compaixão. Em um ato de perdão pela causa do ferimento.

Jéssica a tocou, sem usar suas mãos. Cada olhar seu, era uma flechada na ferida adormecida. Abrindo-a, diante de sua face. As palvras que tentavam despontar de sua boca, as explicações que tentava externar, seria incapaz de aplacar um sentir de anos a fio. Um dicionário, uma redação, não seria capaz de preencher o vazio que fora deixado na mulher. De certo que, nenhuma dor dura para sempre, não como um fardo. Se aprende a conviver com ela. Se aprende a não deixá-la gritar; não deixá-la nos tomar por completo, lançando-nos para uma maré de incertezas, medos, até a perda de nós mesmos dentro da nossa carcaça, nossa matéria. Entregar-se à ela, seria um ato suicida; em uma ferida que já escorre, timidamente, seria como ceifar a própria vida.

O coração pulsava doído no peito. As mãos tamborilavam sobre o volante. Ela segurava uma imensa vontade de chorar. Deixando com que, um nó horrendo surgisse em sua garganta. Não iria cair nesse abismo que se mostrara iminente. Jamais voltaria para aquilo que só faz sofrer.

Pensou em Angel.

Contaria ou não?

A mente gritava, incontáveis vezes, em um curto intervalo de tempo, tal citação:

"Dá para esconder qualquer coisa por trás de um sorriso"

Essa frase tomava seu pensamento, se insinuava, fazendo-a questionar se era melhor não contar nada para sua parceira. Em contrapartida, indo de contra ao pensamento de não contar, sabia que precisava. Não poderia mentir, odiava mentir; entregar palavras vazias para a jovem seria como socar o nada; seria como ignorar o sentir que lhe assolava. Mentir, seria bani-la de algo valioso, o campo da clareza, da verdade. Mentir, obrigaria uma farsa a dar às caras, obrigaria outras mentiras a surgirem. Ela tinha o direito de escolher, certamente, defendendo aquilo que julgava certo: Escolheria a verdade.

Ao estacionar o carro, saltando do mesmo logo após, se encontrava parada em frente à enorme porta. Inspirando e expirando algumas vezes, buscando acalmar-se do turbilhão de sensações que moldavam seu ser. Girou a maçaneta, adentrando à casa.

Tudo estava silencioso. Quase tudo. Seu coração ainda encontra-se agitado, como se quisesse correr, saltar para fora. Talvez, numa tentativa de limpar-se dos resquícios que o faziam doer em suas batidas; dos resquícios que mancham, em negrito, algum pesar denso, difícil de sair. Inegável o sentir, o órgão parecia se recolher, se contrair, protegendo-se ao mínimo vislumbre de tal figura do passado. Ela causara sentimentos ruins demais. E, para um coração com algumas feridas incuráveis, um toque grotesco bastava, fazendo tudo se desintegrar outra vez.

Seguindo rumo às escadas, maquinalmente, Victoria se deslocou até seu quarto, adentrando-o. Em passos cautelosos, direcionou-se à cadeira disposta frente a penteadeira, colocando o saco plástico sobre a mesma. Então, sentou-se, observando a pessoa que repousava em sua cama.

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