56 - Bem-vinda ao lar, querida.

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Semanas depois.

Os pés arrastavam-se pelos corredores tão conhecidos pela mulher. Passara semanas como hóspede desse hospital enquanto fazia-se uma mera vistitante em sua própria casa.

Havia preparado tudo para a chegada da jovem. Seu quarto estava intacto novamente. Não haviam cacos espalhados pelo piso, os móveis voltaram para o lugar de origem.

Tudo nos conformes. Quase tudo.

- Ei, como se sente? - Disse ao adentrar no ambiente. Lia, sentada na ponta da cama balançava as pernas para frente e para trás, brincando com o nó dos dedos repousantes em teu colo.

- Finalmente vou para casa? - Questionou.

Vilarin, calmamente, aproximou-se. Sentou ao lado do pequeno corpo, abraçando-o.

- Sim, menina. - Respondeu. As orbes dela derramaram-se nos seus, continham uma luminosidade tímida, branda. - Vais para casa.

- Me fará visitas?
O silêncio pairou pelo ar. Foram necessários segundos para que a mais velha se desse conta de como a outra estava sensível; tonificou a voz ao proferir:

- Não, Lia. Não farei visitas. - Beijou-lhe a tez morna, compartilhando sua calmaria com ela que, tinha uma agitação fora do comum instaurada no corpo. - Ficará conosco, sim?

- Não irei atrapalhar?

- Escute, você nunca atrapalha. Aliás, todos estão aguardando teu retorno. Lu só fala em mostrar-lhe a coleção nova de pincéis e, a pequena, bem... pergunta de minuto em minuto quando a tia Li vai para casa.

- Mesmo?

- Mesmo, Lia. - Afirmou. Sorriu, sendo agraciada com a expressão de alívio e felicidade estampada na face da outra. Ergueu-se após o breve entorpecimento, estendendo sua mão para ela. - Chegou a hora, vamos para casa.

[...]

O silêncio reinava durante o trajeto. Lia, olhando atentamente a paisagem pensava solenemente em como tudo se daria dali em diante; sentia-se como alguém que era agraciado com o calor após um longo período frio; como a flor em seu desabrochar, florescendo em uma haste que cruzava teu caminho. Se fazia uma infinita alegria carregada de contrastes. Era hora de viver a ferro e fogo.

- Vic, no que está pensando? - Num movimento leve, maneou a cabeça na direção da outra que, tinha seus olhos castanhos vagueando para além do vidro. Estava estática, compenetrada demais para alguém que caira em encanto por alguma coisa. Mas, ao ouvir àquela voz, regressou à si.

- Hum... - Ponderou por alguns segundos, entrelaçando seus dedos aos da pequenina. Sorriu. - Estou a pensar nos poetas que tanto celebram algumas voltas, mas... que importa? Se tantas já voltaram, só tu voltaste para a minha vida. Estou genuinamente feliz por isso.

- Não está chateada comigo?

- Sabe, tive medo... Medo de não poder admirar seu sorriso outra vez, vê-la acordando com a cara amarrotada, tê-la resmungando por coisas bobas. Quando lhe dei a viga da liberdade para partir... céus, senti uma parte minha se quebrar. Não queria dizer adeus pois poderia ser para sempre. Agora, agora você está aqui. Chateação não faz parte do emaranhado sentimental que me atinge.

- Emaranhado sentimental? - Indagou, aconchegando-se no ombro da mais velha, inalando o eflúvio cítrico que esvaia-se da pele. - Quer falar sobre isso?

- Na vida, Lia, estamos propensos a ganhar e perder. Nos ensinam diversas maneiras de lidar com situações; fazem alusões, usam e abusam de metáforas para explicar certos pontos para que tenhamos uma opinião. Mas, dificilmente serão assertivos quanto aquilo que carregamos dentro de nós. Choro para dentro é infiltração; afogar-se no íntimo e continuar sereno na superfície sequer deveria ser tido como sinônimo de força. Sua "ausência" me trouxe uma nova visão de mundo; me fez enxergar o quão frágeis somos diante do caos que juramos um dia abraçar e caminhar em tranquilidade. Me ensinaram muito, mas não me ditaram como seria a sensação avassaladora de quase perder alguém que se ama visceralmente com tamanha intensidade e grandeza...

Os dizeres escaparam pela boca. Um brilho fugaz circundava as orbes umedecidas pelo pranto sorrateiro. Lia, imediatamente, sentiu o rebuliço dançante nas bordas do estômago. Estava certa do que acabara de ouvir? Estava em delírio? Em sonho?

Tantas perguntas. Somente conseguia morder a parte interna de suas bochechas; guardando suas dúvidas para si, desviando de quaisquer certezas intrusivas.

-... há tanta coisa para se dizer, menina, deixemos para outro momento, sim?

- Como preferir. - Disse murmurante.

O resto do trajeto se deu em perfeita harmonia entre as mulheres. Faziam-se dispensáveis palavras diante das carícias afetivas que eram esbanjadas dentro do veículo. Era uma reaproximação calma, livre de dualidades desconcertantes. Afinal, estar confortável envolve isso: estar em silêncio na cia de outrém e ainda assim estar bem. Em paz.

Ao desembarcaram, entreolharam-se respirando em alívio.

- Pronta? - Vilarin perguntou, girando a chave em seu eixo. - Há pessoas te esperando.

- Sim, estou pronta! - Balançou a cabeça animadamente.

Ao abrir da porta, gritos eufóricos foram ouvidos; confetes voavam livres, e, uma pequena criatura vinha as pressas com um cartaz colorido que dizia "Bem-vinda, Lili".

Rendendo-se ao encanto de Isa, a recém-chegada ajoelhou-se ficando na altura da criança, sendo envolvida por bracinhos miúdos circundando sua nuca apertadamente. Apresso. Chamego. Lampejos de vida. Logo atrás, vinha ele; O garoto de semblante pacífico, dono de uma inteligência que não pede comodismo a sua idade; proprietário de uma esperteza impressionante, de uma sensibilidade e empatia descomunal. O moçoilo dos globos oculares mais expressivos e ingênuos. Lu carregava girassóis vibrantes em suas mãos, apontando-os na direção de Lia, em seguida dizia em meio a um largo sorriso:

- Girassóis representam a felicidade. Estamos muito felizes em te ter aqui, tia Li.

Aparentando um reconhecimento longínquo, embalado pela conexão criada em tão pouco tempo, o mesmo juntou-se ao abraço. Nessa hora, duas crianças transpassavam vigor para alguém que necessitava do afago; seres "mágicos" curavam algo sem ao menos saber. A pureza. A leveza de quem tanto doa sem esperar nada em troca.

- Acho que você merece um abraço de urso, Lia. - Constatou o menino. - Vem vovó, vem Tóia.

Como recusar esse chamado?
Era momento de celebrar; logo, sem pestanejar, Maladela e Vilarin colocaram-se de joelhos, serpenteando àqueles corpos aquecidos por tamanho amor num único gesto.

- Obrigada. - Lia sussurrou, sendo acometida por uma emoção reconfortante. - Vocês são incríveis!

- Sabe o que é melhor? - Lu indagou, recebendo um aceno negativo. - Vovó fez comidas gostosas, sobremessas de dar água na boca. Acho que deveríamos atacar aquela mesa. Quem topa?

- Eu! - Todos responderem em uníssono.

Bastou uma corrida para que todos chegassem ao ponto de interesse. Cada qual sentando na cadeira de sua preferência; Isa, em sua doçura, escolhera o colo maternal. Lu queria estar entre Madalena e Lia, pronto para dar seus pitacos nas conversas descontraídas. A senhora ficava na ponta ao lado da filha, espreitando sua visão para alcançar algo que lhe desse argumentos plausíveis; afinal, era shipper de um casal não assumido.

- Então, Lia, como se sente? - Madalena perguntou enquanto servia o pequeno dragão faminto em forma de rapaz-inho.

- Em casa. - Simples e direta. - Esse é o melhor lugar para se estar após um período conturbado. Jamais conseguirei definir em palavras como me sinto de fato, logo, prefiro apenas sentir. Com intensidade.Com verdade.Com o mais sincero afeto.

- Isso basta. - Victoria interveio, dando singelo aperto em uma das mãos dessa menina-mulher que tanto a encantava. Sorriu abertamente, evidenciando tamanha alegria por este momento. - Bem-vinda ao lar, querida!

- Eeee! - Isa deu o ar da graça, batendo palmas. Era como se desse bênção a interação.

Todos caíram em uma gragalhada espalhafatosa, contaminando o ambiente com ótimo astral.

Era dada a largada para a iniciação de uma nova jornada. Uma nova rota....

Continua...

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