48 - Abismo.

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Tão fundo quanto deveria; pouco atraente aos que não estão desiludidos com amores ou até mesmo com a vida. Ele, visto de perto, amedrontava. Quando admirado por uma alma em estilhaços, mostrava-se como uma ótima porta de entrada para profundezas solitárias que há muito não recebiam a visita de uma alma carregada. Dentre todos os buracos negros, dentre todos os lugares obscuros em que um ser humano se consolaria, o abismo que se formava entre o "eu" e "eu" tragava uma presença vulnerável com avidez e consentimento.

- Victoria, filha, abre essa porta. - A voz serena pediu. - Você está trancada nesse quarto há mais de duas horas. Precisa se alimentar.

Se alimentar...

Vilarin olhou friamente para o teto, suspirando audivelmente; duas horas em seu quarto nunca foram tão preocupantes como vinha sendo. A cada dez minutos uma batida circulava pelo espaço. Inúmeras tentativas. Algumas respostas conhecidas e antigas pulavam das pregas vocais; era tudo silencioso outra vez. Jamais negaria sua teimosia. Também não negaria teu lado persistente que, igualava-se perfeitamente ao da matriarca. Admirava isso nela. Porém, precisava de um punhado de tempo para digerir os acontecimentos. Um período sem cronometragem específica onde pudesse colocar para fora tudo que fosse da íntima vontade. Expor suas verdades para si, arrancar do peito àquilo que fazia uma agonia esmagadora sugir; triturar entre letras projetadas, esses sentimentos que feriam mais e ardiam mais do que todos os machucados espalhados pelo corpo.

- Mãe... - direcionou seu olhar opaco para a porta. - eu sei que seu intuito é me ajudar; mas eu não consigo me liberar disso que incendeia e me faz voltar ao pó mesmo estando viva. Não sinto meu corpo em conjunto com a mente. Tampouco sinto-me no aqui e agora; há um vazio imensurável me tomando. Eu quero encontrar o caminho de casa, e, não estou encontrando ele em mim. É assustador. Mas preciso fazer isso sozinha antes que essas avalanches sentimentais me arrebatem de uma vez para o estado penoso de anos atrás. Reconheço minha fraqueza; e, sabe-se lá em que lugar está a força que veem na minha essência. Então peço que entenda, ok? Eu vou sair daqui. Só... me deixe permanecer assim um pouco. Ok?

A senhora respirou pesadamente do outro lado, encostando sua testa no amadeirado que lhe tem batendo-o com frequência. Então respondeu cautelosa:

- Tudo bem. Lhe darei espaço; mas nada de fazer desse quarto um refúgio eterno. Tens que encarar a vida de frente, correr do que te assusta não fará o medo passar. Umas horinhas somente, sim?

- Mãe... - Resmungou. "Umas horinhas" seriam dez minutos, conhecia a mulher por detrás dessa calma toda. - Não vamos começar com isso.

- Ok. Ok. Quando estiver pronta. No seu tempo, filha. - Disse sincera, afastando-se em passadas audíveis.

Um suspiro escapou pela boca de Vilarin. O corpo ergueu-se vacilante, suas pernas a levaram até seu vestiário onde a mesma deslizou, roboticamente, a porta de correr; esticou uma de suas mãos, então pegou uma caixa escondida no meio de suas roupas.

Abriu-a.

Lá estava ela.

Uma de suas primeiras máquinas fotográficas...

"Registre tudo. Transforme teu sentir em uma imagem; aquilo que passou não volta, mas eterniza-se em uma fotografia, meu bem".

A fala do patriarca roçou seus tímpanos suavemente; como uma valsa em uma sexta-feira a noite. Ela sorriu, enquanto uma lágrima banhava sua bochecha. Era o primeiro sinal de uma maré sentimental. Caminhou até a porta com o objeto em mãos, colocando-o no chão...

Tudo haveria de ceder.

Coisas haveriam de se quebrar, incluindo a mesma.

Então, em um ato de fúria, coisas voavam pelos ares. Lençóis, porta-retratos, até mesmo sua penteadeira pesada caiu em um baque estrondoso, fazendo pedaços de vidros tomarem o piso; de preto, o solo fora para um vermelho vivo, mostrando que o sangue da pessoa afetada ainda lhe cabia as artérias, evidenciando que a vida ainda vazava por seus poros.

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