54- "Se for o teu momento de ir, vá, minha menina".

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O cheiro de camomila predominava; xícaras fumegantes descansavam na mesa central enquanto elas riam.

O riso...

Daqueles que faziam a barriga doer; os olhos lacrimejarem; e, ocasionavam um contorcionismo mirabolante na tentativa falha de cessar a dor ou cessar a própria crise.

Durante minutos, manteve-se essa atmosfera alegre. Após noites conturbadas, choros desordenados e incontroláveis; sorrisos, gargalhadas, demoliam cada partícula miserável de dor que um dia penetrou a essência fragilizada buscando por uma morada permanente.

- Gosto de como sorri... - Quando os resquícios sonoros deram passagem, a jovem disse. - Pensei que não teria a chance de ver essa cena outra vez. - Seus orbes cintilaram, buscando acolhimento nos da outra que, mantinham-se fixos nos seus.

Encurtou-se a distância; Vilarin, que antes demonstrava receios ao chegar tão perto da menina, segurou as mãos mornas, acariciando o dorço com os polegares.

- Não precisamos entrar nesse assunto. Bem sei o desconforto que pode causar.

- Sabe... - Ela prosseguiu. - Quando acordei naquele porão escuro, confusa, sem ter a menor ideia de onde estava, senti que seria o meu fim. Por longos momentos, me pegava pensando em como tudo poderia estar se partindo de mim; em como tudo poderia ser frágil; em como uma simples ação poderia levar a vida ao seu limite. Acredito ter sido um erro invadir a história pertencente a outrém, vasculhando esse passado que, mesmo sem ter vestígios meus, causou-me tamanha dor. Mas... Não me arrependo. Eu faria tudo outra vez. Tens a maternidade agora; o sopro de vida na forma angelical de criança lhe alcançou, trazendo àquilo que nunca se foi. És a mãe que desejou ser. E, obter o privilégio de vê-la nesse papel, acaba com qualquer fagulha maquinal e racional de erro infundado.

A essa altura, os olhos da ouvinte brilhavam. O pranto escorria silencioso, lento, leve.

- Sou grata por isso... - A voz saiu embargada enquanto tentava proferir palavras com clareza. - Embora me sinta descontente com grande parte do que houve. Nunca, em toda a minha vida, conheci alguém como você, Lia. E, sinceramente, devo admitir em alto e bom som o quanto me doeu quase vê-la partir...

- Eu não vou a lugar nenhum. - Sobrepôs, unindo sua tez a da fotógrafa.

- Temo que vá. A vida é imprevisível; passei dias e noites ao lado teu, clamando, pedindo aos Deuses que devolvessem você para mim. Sonhei com o momento no qual seus orbes se abririam para ver beleza no mundo outra, e, mais um vez; sonhei com teu sorriso, teu cheiro adocicado, teu jeito menina-mulher. Em meio ao lúdico, fútil e mentiroso, sempre desintegrava o corpo. Nada era sonho. Tudo era tormento. Isso aqui... - Segurou-lhe a mão com mais firmeza. - é real?

[...]

A respiração engatava de forma irregular, mãos trêmulas agarravam as laterais das grossas cobertas; o olhar perdido vagueava pelo recinto.

- Bom dia, filha. - Madalena surgiu, bebericando algo quente em sua caneca predileta. - Como dormiu? - Acomodou-se em um dos sofás.

- Que horas? - Indagou, coçando os olhos nervosamente.

- Não passa das 8h. - Madalena respondeu serena.

- Eu... - Levantou rapidamente, sendo acometida por uma tontura indesejável. Fechou os olhos, tentando acalmar-se de alguma maneira. - Eu preciso ir ao Hospital. Ela precisa de mim.

- Victoria... - A mais velha depositou a caneca na mesa central, agarrando Vilarin pelos ombros, fazendo-a cessar seus movimentos repetitivos. - Tens de se acalmar. Está perto de colapsar. Não come direito, não dorme bem, não descansa realmente. Respire.

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