47 - Conversando com o silêncio.

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Caminhando pelo recinto, uma taça de vinho branco repousava na mão esquerda. Os castanhos olhos miravam telas grandiosas em tamanhos e significados. A cada passo, a cada quadro apreciado, uma sensação acolhedora rodeava o corpo humano. Um sorriso despontou no canto da boca ao que, com suavidade, um quadro chamou a atenção da fotógrafa:

Um par de olhos esverdeados. Um olhar genuíno e doce. Um olhar calmo e sereno. Quando encarado de frente e com atenção, tornava-se sutilmente suplicante; pedia por algo. Para ser visto. Não necessitava do olhar alheio, necessitava do ver alheio. Do mirar a alma através dessa janela que se faz os orbes de alguém.

- Por que tão perdido? - Ela murmurou para si mesma, olhando a tela de ângulos diferenciados. - Há beleza nesse olhar, eu vejo. Mas, não é tudo.

- Consegue entender? - A voz ressoou baixa nos tímpanos da mulher. - Sentir?

Vilarin, calmamente, maneou sua cabeça em direção à jovem. Mordiscou o lábio inferior, então apontou com a mão livre para a obra à frente.

- Esse olhar expressa muito. Carrega muito e nada ao mesmo tempo... - Começou, voltando-se para a arte. - é como se transbordasse algo que falta e transparece, mas recusa-se a notar isso em alguma escala de necessidade.

- Essa é a obra que citei. - A jovem disse sorridente. - Quando findamos aquela ligação, quando algo nos afastava, quando o peso da minha omissão quase me engolia por inteira, era esse quadro que ficara à espera dos teus olhos para vê-lo. Eu sabia que teria a chance de estar aqui, agora, lhe mostrando ele.

- Eu não quero que suma de novo, Lia. Não quero perde-la de vista. Então, peço que não solte a minha mão sem um motivo forte para isso. Estou confiando em você...

Uma lágrima escorreu pela bochecha esquerda de Lia. Um sorriso trêmulo se formou nos lábios rosados. Ela se aproximou, tomou o rosto da mais velha em suas mãos, acariciou a derme. Então disse com genuinidade:

- Eu vou estar aqui. Inteira. Chame e estarei presente. Em cada momento bom, ruim e incerto. Quando precisar de calor humano, de carinho, de uma amiga, de um apoio. Poderei ser a tia legal que sua filha adora. Com isso, quero afirmar que não irei desaparecer. Sempre estarei aqui por você, para você e com você. - Seus lábios tomaram os da mais velha. Um selar demorado fora depositado.

Havia um gosto único.

Era único.

Indelével...

Ao separar das bocas, um show de horror formava-se diante dos olhos amendoados. Todas as telas eram cobertas pelo vermelho sangue, rastros eram deixados pelo piso conforme a figura da jovem se distanciava aos prantos.

- Lia, o que está acontecendo?

Ela não respondera. Silenciou-se ao desintegrar doloroso do corpo.

- LIAAAAA, VOCÊ DISSE QUE NÃO ME DEIXARIA!

Um grito de dor.

Um sobressalto.

O despertar.

Com suor escorrendo pelas têmporas, Vilarin acordara atordoada. Ao olhar para o lado, uma visão que não via há muito tempo lhe fez franzir o cenho: sua mãe em descanso. Não um descanso de quem trabalhou o dia inteiro, banhou-se e dormiu para recuperar suas energias. Era um descanso de quem muito se preocupou e despedaçou-se com a mínima possibilidade de perda.

O lábio tomou-se de uma linha reta, o corpo ergueu-se com dificuldade. Seus pés arrastaram-se, mesmo descalços, até a senhora. Mirou-a. Então, puxou-lhe a fina manta que cobria os quadris, cobrindo-a na altura dos ombros. Era cedo, o sol começava a surgir, porém ainda estava frio. Em passadas cautelosas, se atreveu a sair do ambiente. Rumou em direção aos elevadores, apertando de forma impaciente o botão que a levaria para alguns andares acima.

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