Aflições

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Miguel

O doutor se despede de nós e vai atender outros pacientes. Gabriela pega seu celular e liga para a Deise para avisar em qual hospital a Isadora está e o seu estado de saúde. Eu me afasto dela e saio do hospital para respirar ar fresco pois não me sinto bem. Ando de um lado para o outro chorando e completamente desolado. A violência, o abuso sexual, o trauma físico e psicológico... Tudo de ruim que a Isadora passou... Tudo de ruim que eu já passei... Estou revivendo o meu passado. Saber que ela está entre a vida e a morte me dilacerou. O Fernando agrediu, abusou dela e a deixou jogada no chão para morrer. Ele tirou a dignidade dela, e a tratou como se fosse um monte de lixo. Toda essa situação me atinge feito um raio. Eu sinto muita dor por ela, porque eu sei o quanto ela está sofrendo. Meu ódio pelo Fernando se transformou em fúria homicida. Não vou esperar pelo Anjo, eu mesmo vou fazer o serviço. E vai ser de um jeito lento, doloroso e agonizante. Nem que depois eu apodreça na prisão por ter tirado a vida de outra pessoa. Não importa mais as ameaças que ele fez a mim e a minha família, tudo isso é insignificante diante do estado de saúde da Isadora. O Fernando não merece misericórdia nem compaixão. Ele tinha intenção de matar ela. Caralho, como ele pôde fazer isso com a mulher que um dia ele jurou amor, respeito e fidelidade?! Será que ele não pensou nem por um minuto que poderia destruir a vida dos filhos com essa atitude?! O desgraçado é bem pior do que eu imaginei. Ele é tão ruim quanto o Fontana: Sem coração, sem piedade, frio, calculista e perverso. A personificação da maldade.

Me escoro em uma coluna da entrada lateral do pronto socorro. Minha cabeça está girando, estou tremendo e suando frio... Já sei o que vem em seguida...

Tentando manter o controle do meu corpo eu sento no chão e fecho os meus olhos para me concentrar. Não consigo respirar direito, parece que vou morrer sufocado. Meu coração está acelerado e a sensação de quase morte toma conta de mim. Estou com muito medo e isso faz tudo ficar pior. A crise de pânico que eu estava tentando evitar a todo custo tomando remédios e me mantendo centrado, resolve me atingir no momento que eu baixei a guarda. O enjoo que essa situação provoca me leva ao limite e eu começo a vomitar no canteiro de plantas ao lado de onde eu estou. Fico de pé e saio andando sem rumo, na esperança que alguém me socorra, mas meus joelhos cedem e eu caio no chão. Minha visão está embaçada e meu peito está doendo. Me sinto perdido, desorientado. Acho que dessa vez eu realmente vou morrer. Essa crise é forte demais!

*Miguel ! Miguel !

Escuto alguém chamar o meu nome, mas não vejo ninguém. Tento respirar devagar. Aqui é um hospital, posso ser socorrido a qualquer momento... Só preciso que alguém me encontre.

*Miguel, Miguel, me escuta...Olha pra mim ! Sou eu, a Gabriela !

Gabriela tenta me trazer de volta a realidade chamando o meu nome e me mandando contar de um a dez respirando devagar. Ela me pede calma.

*Lembra onde você está ? Você sabe quem sou eu ? Se concentra na minha voz...

Respondo as suas perguntas e faço o exercício respiratório. Depois de um tempo eu me acalmo e começo a raciocinar com mais clareza. Tento ficar em pé, mas ela pede que eu fique sentado por enquanto. Gabriela senta no chão, de frente para mim e diz:

*Fica calmo, tudo vai se resolver. A Isadora vai precisar de você, se mantenha firme por ela, por favor.

-Eu estou muito abalado com essa história de violência e abuso sexual. Eu nem sei se ela vai sobreviver...

*Ela vai sair dessa, você vai ver! A Isadora é mais forte do que parece, tenha fé na recuperação dela. Olha, eu sei que agora não é o melhor momento, mas eu preciso te perguntar uma coisa: Você disse que sempre soube que a Isadora sofria abuso sexual, então porque nunca fez nada a respeito ?

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