Desejos

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Isadora

Cheguei em Cabo Frio com o Ramiro às dez horas da manhã para resolver todas as pendências burocráticas sobre o acidente que eu sofri há dezesseis dias atrás causado pelo deslizamento de terra na Estrada de Arraial do Cabo. Como o meu amigo tinha um compromisso de trabalho no clube de futebol Cabofriense, que é muito perto do local onde eu tenho que comparecer, resolvi aceitar o seu convite e aproveitar a carona já que ainda estou sem carro. Com a intenção de resolver esse assunto o mais rápido possível, fomos direto para a delegacia de polícia civil que fica no centro da cidade. Lá eu assinei vários papéis, dei o meu depoimento sobre o que aconteceu naquele dia, apresentei laudos médicos e finalizamos a ocorrência. Agora é só levar esses documentos na seguradora de automóveis para que ela cubra o meu prejuízo e me dê um carro novo. Saímos da delegacia por volta do meio dia e resolvemos almoçar em um restaurante no shopping de Cabo Frio antes que o Ramiro fosse para o seu compromisso. E com essas horas livres que me restaram vou aproveitar para fazer uma visita surpresa ao Miguel em Arraial do Cabo. Combinei com o meu amigo que o encontraria as dezenove horas em frente ao clube para que pudéssemos ir embora para Volta Redonda. Finalizamos nosso almoço e nos despedimos ainda dentro do restaurante. Mesmo com a insistência do Ramiro em me levar a Arraial do Cabo no próprio carro, dispensei o seu convite e preferi pegar um táxi na porta do shopping. Não quero abusar mais da sua boa vontade e solicitude. Sem contar que eu quero chegar sozinha ao meu destino. Não seria nada interessante encontrar o Miguel estando acompanhada do Ramiro. Ele poderia achar que nós estamos juntos ou coisa assim, e qualquer possibilidade de rolar um algo a mais entre eu e Miguel iria por água abaixo.

Já passam das duas da tarde quando eu atravesso o pórtico da cidade e entro em Arraial do Cabo. Estou tentando falar com o Miguel desde cedo, mas ele não atende. Provavelmente está trabalhando com mergulho. Mesmo sabendo que é arriscado, não quis avisar com antecedência que estava vindo para cá, então tomara que ele goste de surpresas. Sinto um frio na barriga conforme vou me aproximando do centro. Tem dez dias que nos despedimos lá no Loft e desde então eu sinto sua falta. Eu sabia que iria me apegar e que toda aquela proximidade e intimidade entre a gente me deixaria vulnerável. E o fato de nos falamos por telefone todos os dias desde que eu fui embora reforça ainda mais o meu apego por ele. Miguel tem sido gentil e atencioso comigo em todas as ligações e mensagem por aplicativo. Parece que ele não quer que o vínculo que se criou entre nós se rompa. E essa atitude dele está bagunçando a minha cabeça. Ele não parece ser um cara que curte romance. O que será que ele quer de mim?! Nem sei porque estou fazendo esses questionamentos a mim mesma. Se entre nós for só sexo tudo bem, nós não precisamos assumir nenhuma relação, até porque moramos longe um do outro e ficaria inviável ter um bom relacionamento a distância. E ainda tem uma outra questão: será que ele tem namorada ou é comprometido com outra mulher de alguma forma ? Eu posso ser só mais um número na sua agenda de contatos que ele trata muito bem porque não quer perder a chance de transar comigo sempre que tiver oportunidade. Deixando de lado essas dúvidas e agindo como uma mulher racional, só o que eu preciso ter em mente é que o Miguel não me pertence, e que nós somos apenas dois adultos que transaram casualmente. Gosto dele, até além do que devia, mas tenho que me controlar. Não posso deixar a insegurança me dominar. Respiro fundo e estalo os dedos das mãos. Repito para mim mesma várias vezes que vai dar tudo certo. Se o Miguel estiver acompanhado quando eu encontra-lo vou agir com naturalidade e tratar ele como amigo. Depois eu me despeço dele definitivamente, pego um taxi e volto para Cabo Frio. Não quero atrapalhar o relacionamento de ninguém. Meu Deus, eu sou uma idiota mesmo! Definitivamente a minha vida se resume emsofrer por antecipação e criar expectativas!

Quando o taxi passa pela Prainha a visão do Loft empurra para longe a minha ansiedade e me desperta sensações luxuriosas. Tive momentos incríveis com o Miguel nesse lugar e gostaria de um dia poder repetir a dose. Distraída, me surpreendo quando o taxista diz que chegamos a Operadora de Mergulho Salvatore. Pago a corrida, desço do carro e fico parada por um momento na calçada. Estou vestida de um jeito tão formal que chega a destoar do ambiente: calça social preta de alfaiataria, camisa Dudalina de cetim rosa com as mangas compridas que estão dobradas até o cotovelo, bolsa de couro preto da Hermès e scarpin Christian Louboutin preto. Meu cabelo está preso num rabo de cavalo e eu estou de óculos escuros. Tudo aqui nesse lugar remete a praia, sol, natureza e eu estou vestida de um jeito tão formal que pareço uma secretária executiva. Respiro fundo para diminuir o frio na barriga e entro na agência. Uma funcionária está sentada atrás de uma mesa mexendo no notebook:

CORAÇÃO DE PORCELANA Onde histórias criam vida. Descubra agora