Crises

281 31 18
                                    

Isadora

Depois de ser tomada com toda aquela intensidade e paixão pelo Miguel não consegui partir. Ele me pediu mais uma chance e disse que me daria o tempo que eu quisesse para decidir. A princípio me comprometi a fica aqui mais uns dias até que se sinta melhor. Depois do jantar e do filme de ação com Jason Statham que assistimos no sofá da sala fiquei deitada ao seu lado acariciando seu rosto e seus cabelos até que pegasse no sono. Cansada, também acabei adormecendo sem perceber.

Tempos depois acordo sobressaltada com os gritos dele. Miguel está tendo um pesadelo e grita em agonia, como se alguém tivesse fazendo mal a ele. Seu corpo está coberto de suor e ele não para de se contorcer no sofá. Mesmo já tendo presenciado outros pesadelos seus, nunca vi nada parecido com o que está acontecendo agora. Apavorada, chamo seu nome e o sacudo pelos ombros:

"Miguel, acorda ! Acorda ! Olha pra mim !"

-Não faz isso, meu amor... Rebeca...Me perdoa... Meu filho...Meu Deus, quanto sangue...Rebeca...

Puta merda, logo o nome de quem o Miguel está chamando durante o pesadelo ?! Abstraio e finjo que não ouvi, pois não dá nem para sentir raiva numa hora dessas:

-Rebeca...Larga a faca... Não machuca ele...Desce daí...Não pula...Não!

"Abre os olhos ! Isso é um pesadelo! Acorda, meu amor..."

Ele acorda do pesadelo, mas seus olhos estão sem foco e ele está desorientado. Tento tranquiliza-lo dizendo que está tudo bem, que tudo não passou de um sonho ruim, mas não teve jeito. Ele correu para o banheiro se sentindo mal e colocou tudo para fora. Logo em seguida começou a hiperventilar deitado no chão tendo uma forte crise de ansiedade. Fiquei nervosa e cogitei a possibilidade de ligar para a Samantha e pedir a sua ajuda, mas ele me impediu:

-Não chama ninguém... Já vai passar... Eu vou... Ficar bem...

Fiz o que ele me pediu e fiquei sentada ao seu lado esperando a crise passar. Eu me vi aflita diante de um homem de um metro e oitenta e cinco caído no chão do banheiro com dor no peito e a respiração acelerada. Cerca de vinte minutos depois ele se recompôs, mas não quis conversar sobre o pesadelo e a crise de ansiedade, então não o pressionei. Ele tomou banho frio, escovou os dentes e foi para o quarto. Miguel estava carrancudo e de péssimo humor. Insisti para que tomasse um ansiolítico, mas ele se recusou. Eram quatro e quinze da madrugada quando ele deitou na cama e fechou os olhos tentando dormir. Miguel se fechou no próprio mundo e tentou me afastar dele. Ignorando a sua indiferença, eu me aconcheguei ao seu lado, segurei a sua mão e dei a ele o meu apoio silencioso. Inquieto, ele se mexia na cama o tempo todo. Lembrei de todas as vezes que ele me consolou, cuidou de mim e me deu colo, então resolvi retribuir o carinho. Disse a ele que o amava e que poderia sempre contar comigo, pois nós somos, antes de tudo, amigos. Vivemos juntos por poucos meses, mas fomos cúmplices e parceiros um do outro. Miguel virou de costas para mim e começou a chorar. O abracei por trás enquanto uma comporta de emoções se abria em seu peito e  jorrava suas dores. A tristeza dele era evidente e o dilacerava por dentro. Deixei-o a vontade para chorar as suas dores pelo tempo que quisesse. Ele vai ter que viver o luto pela perda do filho para que possa restabelecer o seu equilíbrio emocional, mesmo sem entender qual é o propósito de tudo isso.

Sendo bem franca, nem eu mesma sei qual o propósito de tantas dores e traumas na vida dele, mas entendo que cada um de nós tem a sua própria cruz para carregar. O melhor que eu posso fazer é estar aqui por ele nesse momento. Essas crises de ansiedade e pesadelos são reflexos da pressão psicológica que ele suportou nos últimos meses. Ele era uma bomba relógio prestes a explodir e eu não notei. Dei espaço a ele para que pudesse lidar com a gravidez da Rebeca sem a minha interferência e acabei facilitando a aproximação dela. Mesmo sendo por causa do Miguelzinho, a minha raiva era saber que eles estavam sempre juntos, mesmo depois de tudo o que ela me causou. Fui prepotente e acreditei que eu era melhor do que a Rebeca só por ter o amor do Miguel. Só que a realidade é que nós duas estávamos muito preocupadas com o que era melhor para nós mesmas, e não levamos em consideração o que era melhor para o Miguel. Era uma competição velada onde eu e a Rebeca disputávamos o amor, a preferência e a atenção dele. Nós duas fomos egoístas, cada uma com um propósito a ser alcançado, enquanto ele desmoronava dia após dia na nossa frente. Esquecemos que o Miguel também tem sentimentos, medos, dúvidas e angústias. Depois do que ele me falou durante a nossa discussão mais cedo, acabei me dando conta de que fui arrogante. Nem tudo se resume a traição amorosa ou de confiança. Nem tudo se resume a mim e aos meus sentimentos. Eu não sou o centro do universo! Me comportei como uma mulher caprichosa e me sinto envergonhada.

CORAÇÃO DE PORCELANA Onde histórias criam vida. Descubra agora