Castigo

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Isadora

Eu ainda não consegui entender todos os acontecimentos das últimas quarenta e oito horas. Briguei com o Miguel para defender o Ramiro, enquanto todos me diziam que eu estava errada. Minha vida está um verdadeiro caos. Não me lembro de nada concreto, só fragmentos de acontecimentos. Já ouvi a história completa desde o momento que eu recebi um telefonema do meu amigo dizendo que o Miguel estava morto, fuzilado dentro do próprio carro, até o momento que eu despertei numa cama de hospital com a minha mãe ao meu lado, dizendo que eu tive um mal súbito devido as fortes emoções das últimas horas. E mesmo assim nada faz sentido!

No dia seguinte após a confusão, fui chamada na delegacia para prestar esclarecimentos, mas não pude contar muitos detalhes por conta da minha amnésia. Não entra na minha cabeça que o Ramiro tenha me drogado e tentado abusar de mim. Ele não tinha nenhum motivo para fazer isso. Essa maldade que todos dizem que o meu amigo possui não condiz com a realidade. Tem peças demais faltando nesse quebra cabeças, e a minha memória também não está ajudando! Confusa e contrariando minha família e amigos, fui visitar o Ramiro no hospital onde ele estava internado em busca de respostas que preenchessem as lacunas, porém fui impedida de falar com ele. Descobri que o Ramiro está sob custódia da polícia civil, mesmo estando hospitalizado, e não tem permissão para receber visitas. Ele está sendo acusado de estupro, tentativa de homicídio e sequestro. Fiquei atônita na porta do hospital.

Fui procurar a Verônica para que me contasse realmente o que estava acontecendo com o seu noivo, e descobri que ela também estava presa. Então para acabar com as minhas dúvidas, resolvi ir até a delegacia atrás de respostas para os meus questionamentos, mas infelizmente saí de lá pior do que quando cheguei. A situação é bem mais complicada do que eu imaginava. Ao que tudo indica o Ramiro é sim um criminoso. Ele inclusive tem o hábito de drogar mulheres e estupra-las enquanto estão inconscientes. E a Verônica era conivente em tudo de errado que o Ramiro fazia. Ela, que na verdade se chama Jussara Costa de Medeiros, é tão criminosa quanto ele, e está presa no presídio feminino em Bangu 3. O delegado que está cuidando do caso disse que eu teria mais informações no dia do julgamento. Ramiro vai sentar no banco dos réus e terá que responder todas as perguntas dos advogados. Estou ansiosa para saber como ele vai se explicar perante o juiz, e quais serão as suas justificativas para, supostamente, ter cometido tantos crimes. Minha mente deu um nó com tanta informação, e eu voltei para casa chorando e tremendo o caminho todo.

Sozinha na escuridão e no silêncio do meu quarto, eu tento organizar os meus pensamentos, sentimentos e emoções. Sinto medo, incerteza, tristeza, raiva... Tudo junto e misturado. Nem sei por onde começar a organizar a minha vida. Não consigo entender porque existem pessoas que desejam o meu mal, se eu nunca fiz nada para prejudicar alguém! Parece que só o fato de eu existir já incomoda muita gente!

Desde a partida do Miguel, há cinco dias atrás, que eu não tenho notícias dele. Depois da maneira grosseira que eu o tratei, ele nem se quer atendeu as minhas ligações. Pensei em ir até Arraial do Cabo conversar com ele pessoalmente, mas a Samantha disse que ele estava isolado, se recuperando dos seus ferimentos, e que aquele não era um bom momento para visitas, já que ele precisava se "desligar" dos problemas.

Entendo os motivos do afastamento dele. Miguel, além de ferido fisicamente, está emocionalmente machucado, magoado e ressentido. E a grande causadora de tudo isso sou eu! O meu maior desejo nesse momento é esclarecer os meus problemas pessoais o mais rápido possível, para que eu possa focar e resolver os meus problemas sentimentais. Enquanto a minha memória não voltar, e esse julgamento não acontecer, eu não vou ter as respostas que preciso. E com isso a gente se afasta cada vez mais.



Miguel

Finalmente cheguei em Arraial do Cabo. Nunca me senti tão feliz ao atravessar o pórtico da cidade. Quase morri duas vezes nas últimas quarenta e oito horas! Depois de quatro horas de viagem de carro com o Brito, fui recebido em casa com festa pela minha mãe, irmã e amigos da operadora de mergulho. A equipe completa da Salvatore estava presente na varanda da casa da minha mãe, na Prainha. Todos estavam felizes por eu estar vivo e bem fisicamente, na medida do possível. A cada abraço e aperto de mão que eu recebia me sentia revigorado. Senti uma enorme gratidão por ter uma mãe e uma irmã tão dedicadas e amorosas comigo, mesmo que eu não mereça todo esse carinho, porque ultimamente eu só tenho dado dor de cabeça a elas! Fiquei sabendo que a comoção foi geral na empresa quando a notícia da minha suposta morte chegou até eles. Sem informações concretas do que realmente tinha acontecido, a galera não conseguiu mais trabalhar naquele dia, e encerrou o expediente ainda pela manhã. O telefone na casa da minha mãe não parou de tocar naquele dia. Todo mundo queria saber o que tinha acontecido comigo. Ao que tudo indica, sou "bem estimado" na cidade. É bom saber que existem pessoas que se importam comigo. Faz bem para a minha auto estima. Ando tão inseguro e desanimado ultimamente, que qualquer demonstração de preocupação, amizade, afeto e lealdade já mexe com o meu psicológico.

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