CORAÇÃO DE PORCELANA

Angústias

Miguel

Entro na casa da minha mãe completamente transtornado e destruído psicologicamente.
Elas estão na cozinha preparando o jantar quando escutam o barulho da porta da sala sendo aberta e veem ao meu encontro. Eu sabia que, mesmo angustiada, minha irmã não tinha tocado no assunto do resultado da paternidade com a nossa mãe. Ela, por sua vez, veio me receber na sala com um sorriso no rosto, mas ficou desesperada quando viu o meu estado:

+Meu filho, pelo amor de Deus, o que aconteceu ? Você está sangrando...

Eu desabei no chão do sala chorando. Minha mãe e minha irmã se abaixaram do meu lado, nervosas:

-Ela me enganou, mãe. A Rebeca engravidou de propósito...

+Filho, explica isso direito... Esse sangue é dela ? Você agrediu a Rebeca ? Que merda você fez ?

-Eu dei um soco na porta de vidro da casa dela, só isso. Não bati em ninguém.

+Mas você está todo sujo de sangue...Precisa limpar esse ferimento e ir no hospital tomar ponto.

-Eu não quero ir a lugar nenhum, só quero ficar aqui.

--Irmão, me conta o que aconteceu...O que ela fez de tão grave pra você ?

-A Rebeca pegava meus preservativos usados e se inseminava com o meu esperma. Ela é diabólica, fez tudo de caso pensado. Ela contou que tomava remédio para ficar mais fértil só para engravidar mais rápido. Agora eu vou ter que assumir um filho que eu não fiz e não quero.

+Miguel, os filhos são heranças do Senhor...

-Mãe, não é hora de colocar o "Senhor" no meio dessa conversa. A nossa crença religiosa não entra nesse assunto. O que a Rebeca fez é inaceitável, ou a senhora acha que não é nada de mais ?

+Filho, foi um ato de desespero dela.

-Não foi, mãe. Ela premeditou essa merda toda.

--Então você não vai mais assumir a criança ? Mesmo ele sendo seu filho ?

-Eu vou assumir financeiramente, vou registrar...Mas é só isso.

+Você não quer ter contato com seu filho ? Mas a criança não tem culpa de nada. Ela não pode pagar pela irresponsabilidade dos pais.

-Mas eu não fui irresponsável, sempre me preveni. Nunca quis engravidar ninguém.

+Independente das circunstâncias que essa gravidez ocorreu, você tem que ser presente na vida dessa criança e ser um bom pai para ele.

Eu choro mais ainda, e puxo meus cabelos com força. Me sinto injustiçado.

-Eu não sei como fazer isso, mãe. Meu pai foi um monstro... Que tipo de pai eu posso ser para essa criança ?!

+Pensa da seguinte maneira: o que eu gostaria que o meu pai fizesse por mim ? Eu gostaria que o meu pai me tratasse com respeito ? Eu gostaria que o meu pai me abraçasse e dissesse que me ama ? Pensa que você pode dar ao seu filho tudo aquilo que você não teve. Eu tenho certeza que você não vai fazer com o seu filho o que seu pai fez com você. Agora é a hora de você fazer a diferença. Dê amor ao seu filho, e faça com que ele tenha orgulho de você. Seja o pai que você gostaria de ter tido.

-Não sei se consigo, mãe... Eu não estou preparado para isso.

Digo isso em meio aos soluços e passo a mão ensanguentada no rosto para secar as lágrimas, mas eu só pioro a situação. O corte abre ainda mais e eu sujo meu rosto com sangue. Me sinto como se tivesse dez anos outra vez, depois de tomar uma surra do papai. Estou acuado e chorando feito uma criança indefesa e ferida. Samantha também está chorando só de ver o meu desespero. Eu sei que tudo isso pode parecer bobagem para qualquer homem aí fora. Quantos homens engravidam as mulheres e nem ligam para os filhos ? São muitos, eu mesmo conheço no mínimo uns dez homens desse tipo. Mas eu não consigo ser assim. Estou transtornado porque fui enganado e eu não merecia isso.