Origens

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Miguel

Enfim chegou o grande dia. Dezesseis dias depois de dar entrada no hospital, Isadora vai para casa. Dois dias antes do previsto o médico nos surpreendeu e resolveu dar alta. E justamente no dia 08/06, a data do seu aniversário. Hoje é dia de comemoração dupla. Aproveitei o momento que ela estava se arrumando para ir embora e fui até a recepção do hospital pagar a conta. Ela não pode nem imaginar que eu estou cobrindo as suas despesas médicas. Para todos os efeitos quem pagou a internação foi a Gabriela. Eu não me importo com o valor que deu, o importante é que ela está bem, recebeu o melhor tratamento médico e vai poder recomeçar a sua vida sem grandes sequelas.

Ontem a Deise trouxe uma mala de roupas e itens de higiene pessoal para que ela se arrumasse. Isadora está usando um vestido longo com alças finas azul marinho e sandálias rasteiras. Ela está mais magra e com o rosto mais fino. A maioria dos pontos ela já tirou, só os pontos da cabeça é que permanecem. Daqui a três dias ela volta ao hospital para retirá-los e fazer uma nova avaliação. Peguei sua mala e minha mochila e saímos do hospital. Pude ver no semblante dela o alívio por finalmente sair daquele lugar. Toda a sua família está ansiosa aguardando a sua chegada:

-Isa, eu não sei qual o caminho para a casa da sua mãe. Me diz o endereço para colocar no GPS.

"Coloca Terreiro Aganjú que o GPS te dá a localização exata."

-Ok. São quarenta e cinco quilômetros de distância. Em trinta e cinco minutos nós chegaremos lá. Você vai aguentar esse tempo todo no carro? Está sentindo alguma dor?

"Eu só estou um pouco desconfortável, mas vai dar para aguentar até em casa."

Peguei a estrada com destino a Resende. Vou dirigindo bem devagar, evitando os buracos e quebra molas. Não quero que ela sinta dor ou enjoo. Ao longo do caminho avistei algumas placas com o nome que a Isadora pediu para que eu colocasse no GPS. Pelo visto esse endereço é bem conhecido na cidade. Andar pelas ruas de Resende é como voltar no tempo. As casas são construções antigas e bem cuidadas. As ruas são arborizadas e limpas. O ar é fresco e tem cheiro de verde, de mato. No alto de uma montanha eu vi uma queda d água que se transformava em uma cachoeira. Nesse lugar tem muita paz e uma energia muito boa. Resende já me conquistou. Estacionei em frente ao endereço e fiquei surpreso com o que acabei de descobri:

-Terreiro Ilê Axé Obá Aganjú. Você nunca me contou que sua a família tinha um terreiro de umbanda.

"Você tem algum preconceito com as religiões de matriz africana ?"

-Preconceito ?! Jamais. Só estou surpreso.

"É que o assunto religião nunca surgiu nas nossas conversas."

-Espero que você não tenha ocultado essa informação por medo que eu fosse te criticar ou por vergonha do que eu fosse pensar a seu respeito. Você sabe que eu sou um cara mente aberta e que nós podemos conversar sobre qualquer coisa.

"Eu sei disso. É que eu não falo muito sobre esse assunto. O terreiro é da minha família sim, mas nós moramos na casa ao lado."

-Certo. Entendi. Vamos?! Sua família está te esperando.

Ajudei a Isadora a descer do carro, peguei a sua mala e entramos na casa de muro baixo e portão de grades. A casa térrea ficava no final do terreno e tinha varanda por toda a sua volta, com várias redes penduradas. A frente do terreno tinha um gramado enorme com algumas árvores frutíferas: duas mangueiras, uma jaqueira, três coqueiros, uma cerejeira, dois pés de acerola, um pé de pitanga, um pé de amora e uma jabuticabeira. Sem contar os pés de romã, abacate, mamão, limão e laranja que estavam na lateral do terreno, próximo ao muro. Gosto muito desse tipo de lugar, com cheiro de terra, de fruta e de natureza.

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