Intimidade

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Isadora

Trinta e cinco dias morando juntos e tivemos a nossa primeira briga séria. Me desentendi com o Miguel por um motivo bobo hoje cedo. Eu precisava ir ao mercado comprar um ingrediente que estava faltando para preparar o nosso almoço, mas ele não estava em casa para me levar de carro ou de moto. Fui e voltei do mercado a pé, e quando eu cheguei em casa o encontrei na varanda me esperando. Ele me perguntou por que eu não peguei a chave do carro dele para fazer o que eu precisava. Expliquei que eu não sei dirigir uma pick up 4x4, que o carro dele era grande demais e que eu poderia danificá-lo só de tentar sair com ele da garagem. Então o Miguel resolveu dizer que iria comprar um carro só para que eu pudesse ir a qualquer lugar sem depender dele. Ouvir essa proposta absurda me deixou bem irritada e eu acabei sendo grosseira com ele. Miguel sabe que eu não gosto que ele gaste dinheiro comigo sem necessidade, e comprar um carro estava fora de cogitação. Eu tenho um carro novo, do ano e estacionado na garagem da minha mãe lá em Resende. Eu não preciso de outro carro! Acabamos discutindo e eu o acusei de querer tirar a minha autonomia. Qualquer lugar que eu precise ir quem me leva é o Miguel. Consultas, terapeuta, psicólogo, mercado, farmácia... Eu só circulo pela cidade acompanhada dele. Detesto ficar na dependência dos outros. Não que o Miguel esteja me impedindo de fazer as coisas ou de ir a lugares sem ele, mas eu prefiro cumpri com as minhas  responsabilidades eu mesma. Infelizmente a maneira que eu usei para mostrar o meu ponto de vista foi errada. Ele ficou chateado comigo e com toda razão. Nossa discursão fez a gente almoçar em silêncio, um de cara emburrada para o outro. No fim da noite o Miguel acabou indo dormir na suíte de hóspedes. Eu fiquei sozinha na suíte principal, e me recusei a dar o braço a torcer e pedir desculpas. Meu orgulho não me deixou voltar atrás, mesmo sabendo que eu tinha me excedido. Dois dias se passaram e nós continuamos nos tratando com dois estranhos dentro dessa casa. A rotina é sempre a mesma: Ele acorda cedo, vai para a operadora de mergulho, para a academia, e depois vem para a casa. Falamos só o necessário, e na hora de dormir cada um vai para um quarto. Me sinto abandonada. É tão triste ficar sozinha nessa cama enorme e fria...

Acordo repentinamente e olho as horas no celular: São sete e vinte da manhã. Estou com um peso na consciência e arrependida por ter sido grosseira e orgulhosa com o Miguel. Ele só queria dar uma solução imediata para o meu problema. Me sinto uma idiota por ter deixado a irritação me dominar. Ele não merece ser tratado dessa maneira. Resolvo dar o braço a torcer e acabar com esse mal estar entre nós. Me levanto, escovo os dentes e lavo o rosto. Vou até a suíte de hóspedes com a intenção de me desculpar e entro sem bater. A cama está vazia e ele está no banho. A porta do banheiro está aberta e eu tenho uma visão completa do box. Ele não está me vendo porque está de olhos fechados embaixo do chuveiro, mas eu estou vendo ele por inteiro. Miguel está se masturbando durante o banho. Congelo por um instante, surpresa e ao mesmo tempo envergonhada, por ter flagrado ele em um momento íntimo. Saio do quarto silenciosamente e vou para a cozinha. Fico pensativa enquanto preparo o café da manhã. Miguel procurou o alívio que eu não estou dando a ele. Sei que ele tem as suas necessidades e seus desejos. Eu vejo a tensão crescente no seu pescoço. Ele deve se sentir incompleto por morar com uma mulher e não transar com ela.

-Bom dia !

Levo um susto quando ele entra na cozinha me dando bom dia e me tirando dos meus devaneios.

"Bom dia, meu amor! Olha, eu... Me desculpa."

-Me desculpa você, Isa. Não aguento mais esse clima estranho entre nós.

"A culpa é minha! Fui grossa sem necessidade, e já devia ter dado o braço a torcer há muito tempo. Me perdoa, eu não quero mais ficar brigada com você!"

-Vamos esquecer essa briga, não aguento mais de saudades de você. Dormir sozinho é péssimo, e ficar sem te beijar e te abraçar é pior ainda. Vem cá, meu amor...

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