Redenção

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Isadora

André me convidou para assisti-lo tocar numa roda de samba em uma casa de shows no centro de Volta Redonda, e eu resolvi aceitar o convite. Hoje é domingo, e eu estou de folga no Bistrô, pois a Gabriela assumiu o comando da cozinha depois de ficar uma semana afastada por conta da viagem que fez a Portugal. Eu precisava desesperadamente tirar um tempo livre para me divertir. Chega de lágrimas e sofrimentos! Minha vida nos últimos tempos virou de cabeça para baixo, mas recentemente eu tomei uma decisão tão importante que foi capaz de transformar tanto o meu exterior quanto o meu interior. Há uma semana atrás eu me aceitei, e aceitei a minha ancestralidade. Pessoas que eu confiava cegamente me traíram, me magoaram e me feriram, mas isso agora é passado. Para ter paz de espírito eu precisei virar essa página conturbada da minha história e seguir em frente. O passado não tem mais o poder de me machucar, nem interferir na minha felicidade. Eu durmo bem melhor sabendo que a justiça foi feita, e dia após dia eu restabeleço a minha tranquilidade e equilíbrio emocional.

André está empolgado e sorrindo enquanto toca percussão com o restante da banda. Retribuo o sorriso enquanto sambo ao som de Tiee. Entre nós dois as coisas não ficaram estranhas depois do sexo casual que fizemos. Foi prazeroso e interessante o que rolou no apartamento dele, há quinze dias atrás, e para mim serviu de experiência. Procurei manter a mente aberta e não fazer comparações desnecessárias. Passei a vida toda problematizando o sexo casual, e agora eu entendi que não é nenhum bicho de sete cabeças. No início foi estranho, mas depois que o André conversou comigo enquanto tomávamos vinho, eu fiquei à vontade e relaxei. O sexo entre nós não foi nada romântico ou sentimental como um casal de namorados. Nem beijo na boca teve, foi simplesmente sexo para acabar com as nossas tensões cotidianas e aplacar o nosso tesão. Eu estava ansiosa, chateada, e minha cabeça estava cheia de preocupações e questões mal resolvidas. Sem contar que eu precisava urgentemente de um orgasmo. Depois que eu comecei a fazer reposição hormonal a minha libido está mais alta que o normal. Bastou o André beijar meu pescoço enquanto acariciava as minhas coxas ao mesmo tempo para eu perder completamente o controle, e avançar sobre ele. Não pensei em nada, só deixei o instinto primitivo me guiar. Tive um rompante de loucura e atração sexual pelo meu amigo e não me arrependo nem um pouco dos meus atos. Mesmo no impulso de saciar o meu desejo, fui prudente e fiz sexo seguro usando preservativo. Tive que me prevenir, pois não tenho mais parceiro fixo, e também não uso mais o meu implante contraceptivo. Quando tudo terminou nós sentamos lado a lado no sofá e rimos da situação. Sem constrangimentos, culpas ou remorsos, e principalmente sem traumas ou bloqueios. Sou uma mulher como qualquer outra que desperta o interesse sexual dos homens. Não me senti suja nem vulgar depois que transamos. Nosso corpo tem desejos, vontades, e não é pecado algum saciar essas necessidades quando estamos solteiros. Antes eu me achava antiquada para ter esse tipo de comportamento, e julgava mal quem tinha. Ainda bem que eu amadureci os meus conceitos, e evoluí como pessoa. Por enquanto não está nos meus planos transar novamente com ele, mas nunca se sabe quando o desejo vai resolver aparecer! Estamos nos encontrando casualmente pelo menos duas vezes na semana para um almoço durante o nosso expediente de trabalho. Nada muito íntimo ou com conotação sexual. Eu e André nos gostamos como amigos, e ele me contou que está ficando com outra pessoa, e que não tem qualquer intenção de ter um relacionamento comigo além de amizade. Os nossos corações pertencem a outras pessoas, e ambos têm uma vida sentimental mal resolvida. Temos nossas dores, amores e saudades para dar conta.

De repente o clima alto astral com sambas de partido alto mudou, e as músicas se tornaram mais lentas e românticas. Até aí tudo bem. Aproveitei o momento para ir até o bar comprar uma água com gás, e retornei para frente do palco, que era o lugar onde eu estava anteriormente. Continuei me divertindo ao som de Modo avião, Fortaleza, Fernando de Noronha, Lugarzinho na voz do Tiee, mas quando ele resolveu fazer uma homenagem ao Péricles cantando 40 graus de amor todo o meu bom humor e descontração desmoronaram. Eu fui perdendo o brilho no olhar e o sorriso espontâneo conforme a letra da música me transportava para um dos momentos mais marcantes e especiais que eu vivi com o Miguel. Um nó na garganta, seguido de um aperto no peito toma conta de mim. Fecho os meus olhos e a voz que eu ouço cantando essa música no meu ouvido é dele... Do meu homem... Do meu amor...

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