Penitência

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Miguel

Os últimos dias têm sido muito difíceis para mim. Mesmo sem ânimo acordo cedo e vou para a operadora de mergulho. Estive ausente no trabalho alguns dias atrás por conta do estado de saúde da Rebeca e por causa do fim do meu relacionamento. Hoje eu mergulhei na parte da manhã, e a tarde trabalhei no escritório junto com a Luísa do administrativo e com a Perla, minha contadora. Todos notaram que eu estou desanimado e apático. Meus colegas de trabalho bem que tentaram levantar o meu astral, mas não conseguiram. Meu nível de preocupação está muito alto. Eu monitoro o celular a cada dez minutos para ver se tem alguma mensagem do hospital onde a Rebeca está internada. E mesmo sabendo que é errado, eu também espero por uma ligação ou mensagem da Isadora. Ainda tenho esperanças que ela reconsidere a separação e me procure para gente conversar. A falta que ela me faz me sufoca, fazendo com que tudo ao meu redor perca o sentido. Às vezes eu tenho a sensação de que estou perdido e sozinho, mesmo estando rodeado de pessoas o tempo todo. O que me faz seguir em frente diante de tantas tribulações é o meu filho. Falta muito pouco para o Miguelzinho nascer e ele vai precisar de mim, então me mantenho firme. As quatro da tarde recebo uma ligação do hospital avisando que a Rebeca não corre mais risco de vida e saiu da UTI. Agora ela está no quarto e pode receber visitas. Pego a moto e vou direto para o hospital maternidade de Cabo Frio para ver se ela e o bebê estão realmente bem. Depois de passar pela recepção e pegar uma autorização, subo para o quarto 311. Rebeca está dormindo e sua barriga está enorme. Fico impressionado de ver como a barriga dela cresceu nos últimos dias. Suas pernas e pés não estão mais inchados e o seu rosto está sereno. Ela não está mais com aquela expressão aterrorizante de dor e medo. Fico até mais tranquilo sabendo que ela e o bebê estão sendo bem cuidados. Sento na poltrona ao lado da cama e resolvo esperar mais um tempo até que ela acorde naturalmente. Depois de uma hora e quarenta minutos sentado assistindo televisão e pensado na Isadora estou inquieto. Como eu queria ouvir a sua voz ou ver o seu sorriso meigo mais uma vez... Sem pensar muito no que estou fazendo pego e celular e ligo para Eloá. Faço uma chamada via Skipe com a esperança de ver, nem que seja por um instante, a Isadora outra vez. Seis toques depois Eloá atende a chamada. Ela está com o semblante de uma pessoa com a saúde debilitada. Disse a ela que o motivo da minha ligação era para saber se ela já estava melhor da pneumonia, pois a sua avó havia me contado que ela estava doente. Eloá disse que estava seguindo o tratamento corretamente e que já se sentia bem melhor. Com o seu jeito espontâneo e direto a conversa entre nós flui naturalmente. Ela perguntou sobre a saúde do Miguelzinho e sobre como eu estava me sentindo agora que o nascimento do meu filho se aproximava. Disse a ela como me sentia e fiquei grato pelo seu interesse genuíno em querer saber como eu estou. Eloá também perguntou pelo Jonas. Acho que o que rolou entre eles foi mais que um lance casual, embora nenhum dos dois admita. Durante toda a nossa conversa a Eloá não falou sobre a sua mãe, e eu não tive coragem de perguntar por ela. Recuei e achei melhor não forçar a barra. Dona Sandra me pediu para dar espaço a sua filha e deixar que ela me procure. Mesmo louco de saudade daquela mulher me mantenho firme. Antes de encerrar a ligação com a Eloá eu peço a ela que dê um beijo em sua mãe por mim. Sei que ela reparou na tristeza em minha voz e no meu olhar quando eu disse essas palavras. Ela me olhou com compaixão e fez um sinal positivo com a cabeça. Agora só me resta esperar pelo dia que a Isadora
vai finalmente me procurar para a gente conversar. Desligo o celular, me reclino na poltrona e fecho os olhos. Estou exausto mentalmente.

*Acho que sua namorada não vai gostar de saber que você está conversando com uma novinha pelo Skipe.

Abri os olhos e me virei em direção a Rebeca. Ela estava acordada e sorria de maneira presunçosa. Sorri e balancei a cabeça negativamente, achando graça do que ela estava insinuando:

-Tenho certeza que a Isadora não vai ficar chateada por eu conversar com a filha dela!

*Não acredito que aquela garota é filha dela! Ela deve ter o quê, vinte dois ou vinte três anos ?

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