Destino

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Miguel

Com esse tempo não dá para surfar e curtir uma praia. Toda segunda feira é dia de folga na operadora de mergulho e turismo, exceto no verão, que trabalhamos direto, todos os dias. Saio da cobertura as dez da manhã embaixo de chuva fina para ir a casa da minha mãe. Vou pilotando a minha mais nova aquisição, a Kawasaki Ninja H2 Carbon 2021. Essa moto estava nos meus planos desde o ano passado, mas só foram enviadas ao Brasil cem unidades dela e foram todas vendidas rapidamente. Tive que entrar em uma lista de espera para conseguir compra-la. Agora eu piloto o meu brinquedinho para ir a todos os lugares, deixando meu carro na garagem da minha mãe e usando ele somente para trabalhar, pois preciso carregar meus equipamentos. No caminho até a casa da minha mãe passo por ruas cheias de bolsões de água e algumas dessas ruas estão parcialmente alagadas. Choveu sem trégua desde a madrugada de sábado transformando Arraial do Cabo em um lugar desanimado, alagado e cinzento. A maiorias das lojas do centro estão fechadas e não tem praticamente ninguém na rua. Quando eu chego encontro minha mãe ao telefone com a Samantha, e a ouço dizer: "Filha, não deixa de tomar os seus remédios. Eu estou morrendo de saudades, vem me visitar, você sabe que eu tenho medo de avião... Seu irmão acabou de chegar aqui."

Estendo a mão, pedindo o telefone a minha mãe. Ela me entrega e eu falo com a minha irmã:

-E aí, Samantha, está curtindo muita praia por ai ? Pegando um solzinho?

Digo isso e começo a rir. Lá é inverno e nos últimos dias tem nevado bastante:

-*Porra Miguel, tá um frio do caralho aqui. Para de zoar com a minha cara!

-Como você está ? Tem tomado seus remédios?

-*Tenho me esforçado para fazer tudo certinho, mas estou de saco cheio de tudo isso. E ainda por cima estou em período de prova. É muita coisa para eu dar conta sem surtar.

-Sabe que pode contar comigo sempre. Termina tudo o que você tem pra fazer aí e vem para casa pegar um sol, uma praia. Estamos sentindo a sua falta.

-*Eu também sinto falta de vocês. Assim que eu terminar as provas, vou passar uns dias aí em casa. Vai me fazer bem ficar perto de vocês.

-Não deixa essa neve toda te desanimar. Se cuida, pelo amor de Deus. Você está muito longe de casa para eu poder ir correndo te socorrer, caso precise da minha ajuda. Mas pode me ligar a qualquer hora pra gente conversar.

-*Depois eu te ligo e nós conversamos no particular, longe da mamãe.

-Ok ! Mas mudando de assunto, como vai a sua namorada ? Da próxima vez que você vier nos visitar, ela vai vir também? Quero conhece-la pessoalmente.

-*Vou levar a Malía para conhecer a minha família, já está na hora. Mas quando eu estiver aí com a minha namorada não quero a metida da Rebeca aí em casa. Mulherzinha nojenta e insuportável!

-Para de reclamar da minha namorada, que implicância você tem com ela. Parece até que ela te trata mal ou te fez alguma coisa!

-* Ela não é nem maluca de fazer qualquer gracinha comigo!

-Vou devolver o telefone para a mamãe, senão ela vai brigar comigo por monopolizar a ligação. Um beijo irmã, fica com Deus.

-*Te amo, irmão.

Devolvo o telefone para a minha mãe e vou para o meu quarto pegar algumas coisas para ir a casa da Rebeca. Minha irmã está angustiada. Só pela voz dela eu percebi que tinha alguma coisa errada. Para a Samantha as coisas são muito difíceis, com períodos de depressão profunda e crises de ansiedade, mas na maior parte do tempo ela fica bem, estuda, namora e se diverte. Eu já implorei a ela para voltar para casa e ficar perto de nós, mas ela é teimosa. Numa dessas viagens que eu fiz pelo exterior há oito anos atrás, minha irmã resolveu me acompanhar. Nós passamos duas semanas no Canadá e a Samantha acabou se apaixonando pelo lugar. Depois que voltamos para casa, ela por questões pessoais e sentimentais, resolveu que era hora de ir embora e começar uma nova vida bem longe do Brasil. Para não deixa-la sozinha e ajudar na sua adaptação em outro país resolvi acompanha-la. Moramos juntos por um ano em um apartamento em Ottawa, na capital do país. Infelizmente eu não me adaptei e resolvi voltar para Arraial do Cabo, deixando ela viver a vida que escolheu para si mesma. Samantha já mora lá há sete anos e está terminando a faculdade de odontologia. Nos últimos meses eu percebi que ela não está mais tão satisfeita quanto antes. Ela está lá sofrendo e sozinha, mas o orgulho e a teimosia não deixam ela voltar atrás. A vontade que eu tenho é de ir lá no Canadá e trazer ela para casa pelos cabelos. Samantha ainda toma antidepressivos. Ela ainda não encontrou a sua cura e estabilidade emocional. Eu, por outro lado, encontrei a minha tranquilidade e estabilidade mergulhando.

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