CORAÇÃO DE PORCELANA

Menáge

Miguel

Trinta e cinco dias sem ela. Trinta e cinco dias longe da Isa. É enlouquecedor demais ficar nessa casa vazia. Mais enlouquecedor ainda é ter que concordar com o distanciamento imposto pela Isadora. Ela disse que nós só podemos reatar o nosso namoro depois que a Rebeca for embora do país. Óbvio que eu não concordei com esse absurdo, haja vista que a minha ex-namorada está hospitalizada e não representa mais nenhum perigo para o nosso relacionamento.

Mesmo não concordando com essa decisão, eu decidi aceitar as condições que ela estava impondo. Sei que ela já sofreu muito por conta das loucuras da Rebeca, então nada mais justo que deixar ela decidir o que é melhor para a nossa relação. Segundo a Isadora, ambos estamos "solteiros", e devemos seguir com as nossas vidas enquanto não reatamos o nosso namoro. Me doeu ouvir isso dela, mas sei que tem razão, embora eu não tenha pretensão nenhuma de sair com outra mulher. Se eu pude suportar três longos meses longe da Isadora e sobrevivi, não vão ser trinta, quarenta ou cinquenta dias que vão me fazer sucumbir ao desespero. Tenho mantido a calma e adotado hábitos de vida mais saudáveis.

Tenho frequentado a academia regularmente. Tenho dedicado a maior parte do meu tempo ao trabalho na operadora de mergulho, ou a viagens a trabalho para outros estados. Só nesse meio tempo fui ao Espírito Santo, Angra dos Reis, e a Bonito, no Rio Grande do Norte, sempre acompanhado dos meus fechamentos: Carol, Jonas e Letícia. Não tenho saído para nenhuma resenha com os amigos, embora tenha recebido diversos convites para inúmeros eventos. Não tenho bebido por conta dos remédios controlados que estou tomando. Não fumo maconha desde que a Isa me flagrou no terraço de casa, logo após a morte do meu filho. Não faço sexo desde a última vez que eu e ela transamos no banheiro do seu baile de formatura. Estou limpo, sóbrio e casto. Sou quase um monge! As únicas coisas que me restaram foram a angústia e a solidão.

Para não ficar em casa remoendo o passado, hoje decidi vir até a Praia Grande surfar. Numa quarta feira morta dessas quase ninguém está pegando onda. Aproveito o privilégio de ter o mar praticamente só para mim, e surfo ininterruptamente. Eu precisava espairecer, pois tive uma péssima noite de sono. Lembranças do meu filho e da Isadora me atormentaram durante o pesadelo. Sai da cama sem ânimo para nada. Liguei para a Luíza, minha secretária, e avisei que não iria à operadora hoje. Sei que o Jonas dá conta do recado quando eu estou ausente. Eu só queria diminuir por algumas horas a saudade e a ansiedade que oprime o meu peito, tirando o meu pouco sossego. Quem sabe surfando até a completa exaustão eu consiga ter um pouco de paz de espírito.

*Sabia que te encontraria aqui!

Olhei para trás e vi a Angélica se aproximando. Ela deixou sua prancha de surf perto da minha, e se sentou na areia ao meu lado. Antes que eu tivesse tempo de assimilar o que estava prestes a acontecer, ela segurou meu rosto com as duas mãos e me beijou. Fiquei sem reação por um instante, mas quando ela tentou aprofundar o beijo eu reagi, me afastando rapidamente. Angélica pareceu não se afetar com a minha reação, olhou para frente e ficou contemplando o mar:

*Vim aqui para conversar com você, refletir um pouco sobre a minha vida, e fumar um beck para relaxar. Se der tempo eu pego onda, mas isso não é prioridade.

-Que porra foi essa, Angélica?!

*Foi só um beijo, Salvatore. Nada demais!

-O que deu em você para agir assim?!

*Beijo é só beijo. Duas bocas que se unem e trocam fluidos entre si. Senti vontade de te beijar, mas isso não significa que eu queira ter um romance com você. Seu coração pertence a outra pessoa.

-Então porque tudo isso a essa altura do campeonato? Está carente?!

*Não estou carente. Eu só... Queria me certificar que você não exerce mais nenhum poder sobre mim... E que eu realmente te superei.