Capítulo 7

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• Fernando •

O sorriso sacana em seu rosto me distraiu momentaneamente da expressão surpresa do meu tio, que nunca foi de mostrar seus pensamentos com o rosto. Maiara estava ainda mais atraente aos meus olhos. Não só porque chegou no hospital sexy como uma deusa, ainda estava absurdamente linda com o scrub, e eu descobri outras facetas além da que conheci no bar.

Ela era galanteadora, brincalhona, assustadora e incrivelmente voraz. Não pude acompanhar sua chegada à festa de boas-vindas organizada pela minha muito animada tia, mas pude observá-la conversando com residentes e internos. Ela foi séria, firme, de postura impressionante e extremamente observadora.

Entrou na sala de reuniões determinada, mesmo com um leve corar das bochechas. Tentei focar no discurso dos meus colegas sobre os itens pautados da reunião. Roze estava defendendo o direito ao bônus anual de um milhão de dólares quando meu olhar furtivamente chegou em Maiara, que prestava atenção com afinco, sem desviar o olhar. Até compreendia que ela quisesse fingir para os demais que não me conhecia, superando a expressão inicialmente surpresa para uma de completa indiferença. Mas eu estava esperando um meio sorriso ou um corar de bochechas. Nada. Ela simplesmente agiu como se eu fosse um inseto incômodo diante de seu rosto. Talvez um inseto recebesse até mais atenção do que eu. E ela foi doce e gentil com todos, incluindo o babaca do Roberto. Diego captou quem ela era. Ou lembrou. Apenas me deu um sorriso apreciativo e manteve as piadas e cantadas para si.

Já Roberto, justamente por não saber, estava disposto a ser o cara perfeito para que ela caísse na dele como um peixinho inocente. O pensamento me incomodava, mas não tive a oportunidade de falar e não sabia como reivindicar território de alguém que claramente estava me ignorando enquanto eu ainda rezava que fosse apenas um teatro em seu novo trabalho. Talvez ela fosse mais radical do que eu em relação à política pessoal de confraternização no trabalho, mas eu tinha a desculpa de que nos conhecemos antes disso.

Roberto apresentou slides dos últimos feitos de sua área e também atualizou os dados da pesquisa sobre o Alzheimer que compartilhava com meu tio. Aquele assunto era difícil e me obriguei a tomar notas. Diego falou sobre o esquadrão da vagina e as melhorias que desejava em seu grupo, e entregou o formulário de uma nova especialização e eu apenas finalizei com os dados da cardiologia, sem nada novo para acrescentar naquele momento.

Quando chegou a vez da pediatria, todos olharam para Maiara. Um sorriso lento se espalhou em seu rosto, parecido com o mesmo que ela me deu quando acordei em sua casa, momentos antes do melhor sexo de bom dia. Obriguei-me a não invocar imagens mentais.

Maiara: O hospital está prestes a receber uma série de processos por negligência médica, que deixo claro que não assumirei em nome da minha antiga colega, uma médica da qual a licença precisa ser caçada. Meu primeiro ponto está claro? — Ela soou firme e todos encostaram em suas cadeiras, nervosos. — Minha primeira opinião sobre a ala da pediatria é que lá parece a porta do necrotério, não um local onde crianças, pequenos humanos inocentes, repousam em seus tratamentos cirúrgicos, clínicos ou psicológicos — completou, olhando atentamente para o meu tio, que parecia deliciado e, ao mesmo tempo, preocupado. Roze estava se apaixonando por ela, não no sentido romântico. — Eu tenho enfermeiras carrancudas e despreparadas, além de uma equipe neonatal que não pareceu ter contato com os recém-nascidos de forma adequada. Contabilizei dez internações que já poderiam ter recebido alta, cinco em tratamento inapropriado e dezoito, cujos sintomas e medicação apresentados não correspondem com a indicação de tratamento na ficha que será faturada pelo seguro saúde. Todos esses, apenas na visita de hoje, mostraram que exames não foram atualizados e que mães estão veementemente desinformadas sobre o estado clínico, tendo como única fonte de informação a primeira visita do dia, que eu também descobri ser a única. Ela tomou fôlego e meu tio ficou em silêncio. Era raro que ele permitisse que alguém detonasse qualquer área do hospital. — Não é de admirar que a ala pediátrica do hospital esteja sendo massacrada na opinião pública — ela disse e tirou de dentro do bolso um papel dobrado, quando o abriu, havia mais dois dentro. — Eu fiz essa lista de materiais e itens que preciso que sejam providenciados o mais rápido possível, no máximo hoje à tarde. — Esticou a lista em meu tio Antônio a pegou, colocando os óculos e lendo. — Também quero nomear uma chefe de enfermagem no meu andar. Roze, Diego e Roberto levantaram as mãos.

Todas as coisas que eu sonheiOnde histórias criam vida. Descubra agora