Capítulo 23

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• Fernando •

Maiara raramente falava da mãe. Elas não se entendiam e minha namorada não respondia as mensagens dela. Quando recebi a notícia através de Marco César, não podia prever que Maiara ficaria setenta e duas horas sem abrir a boca. Praticamente agindo como uma pessoa estática. Ela se refugiou em sua mente e não se abria para falar dos sentimentos nem por um decreto.

Chegamos no Mato Grosso, fizemos o check-in no hotel e seguimos para o hospital. Lá, ela entrou no quarto sozinha e conheci o padrasto, Carlos. Era um homem de pouquíssima instrução e muito simples. Maiara o abraçou rapidamente e ficou duas horas sentada com a mãe até que eu vi uma movimentação dos médicos.

Entrei e sussurrei em seu ouvido que era a hora da decisão. Carlos disse que a esperou chegar, porque ele não entendia nada daquilo, Maiara era médica e "sabia de todas as coisas". Ela autorizou a doação de órgãos e ele assinou depois que lhe expliquei detalhadamente o que aconteceria.

Carlos: Sua mãe te amava, Maiara — Carlos disse e ela olhou para o chão. — Ela não te compreendia e se achava burra ao seu lado, porque você é muito inteligente. Não sabia como te consolar, porque você sabia todas as respostas. Uma vez ela me disse que a única coisa que podia te dar era alegria, pois você nasceu uma menina completa e era uma benção, porque ela acreditava ser limitada. Nós dois sabemos que sua mãe era muito inteligente e vivaz. Ela te amava muito, só não se achava boa o suficiente para ser a mãe que você precisava, por isso achou melhor que vivesse com Marco César.

Eu pensei que Maiara fosse desmoronar e a abracei a tempo de cair. No quarto do hotel, ficou digitando algo em seu celular por um longo tempo.

Maiara: Meu advogado vai enviar um documento. Será que tem como você pedir para imprimir para mim? — questionou e até fiquei surpreso de ouvi-la. — Coloque isso aqui junto — pediu e tirou uma folha de papel que estava na mesinha. Escreveu uma carta com a caneta que encontrou na gaveta com o emblema do hotel.

Abriu a carteira e tirou um cheque, preenchendo. Ela me deu o endereço de entrega. Desci e eles imprimiram. Eu li o que era. O documento de uma casa no Mato Grosso.

"Carlos, 
A casa está paga e as hipotecas também. Eu a comprei há alguns anos quando tive medo de que fosse a leilão no momento em que sofreram dificuldades financeiras. Não contei em detalhes para mamãe, apenas disse que daria um jeito na dívida e dei. Você deve viver nela para sempre, não tem nada a se preocupar. Estou enviando também um cheque, faça um funeral daqueles que ela sempre disse que achava chique quando via nos filmes, chame as amigas dela e dê uma recepção. O que sobrar, e deve sobrar, é para sua sobrevivência nos próximos meses. Ligue-me se precisar de qualquer coisa, em breve, meu advogado irá entrar em contato sobre a manutenção da casa. Cuide-se. Com amor, Maiara".

O cheque era de quinhentos mil reais.

Imaginei que iríamos para o funeral, mas ela não quis. Ficou irritada e agindo bruscamente até que garanti que iria buscar uma autorização de voo para voltarmos. Saímos do hotel sem completar uma diária e voltamos para casa. Aterrissamos, peguei o carro e voltamos para nossa casa em São Paulo.

Maiara subiu direto para o quarto, enfiou-se debaixo das cobertas e não saiu. Tentei conversar, mas ela estava em um estado que seria um catalisador para uma crise. Roze já tinha vindo e ido embora várias vezes. Roberto colocou Maiara para dormir duas vezes. Diego fez um caldo de galinha que ela comeu e repetiu, mas não falou. Não chorou. Nenhuma lágrima escorreu de seu rosto, nem mesmo quando meus tios vieram visitar.

Tati mandou flores e depois, nossa casa ficou parecendo uma floricultura porque todo mundo estava solidarizado com sua perda. Podia sentir a dor, mas ela precisava extravasar antes que eu fosse a pessoa a perdê-la. Tive que pedir ajuda.

Todas as coisas que eu sonheiOnde histórias criam vida. Descubra agora