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Marília.

Calma, era muita coisa pra mim. Cheguei em casa sem entender nada, a sinceridade que transpareceu quando ele gritou ao questionar quem era meu pai me fazia ter calma, porque parecia que ele realmente não fazia ideia.

Por que confiar nele, Marília? Já não basta ter sido burra o suficiente? Ter se entregado assim pra qualquer um, ter deixado ele ter acesso a você, a sua casa, ter confiado nele, ainda tinha que acreditar que ele foi sincero depois de mentir pra você?

E de repete eu tinha 10 anos de idade chorando porque meu pai me humilhou quando eu não fui inteligente o suficiente pra passar na prova de química, quando ele me bateu por isso.

Mas era diferente, eu tinha sido inteligente desde o começo pra saber, mas burra o suficiente pra ignorar, por puro prazer...

Tentei abrir o escritório novamente e não consegui, respirei fundo limpando as lágrimas do meu rosto e fui até a dispensa procurando as chaves reservas. Baguncei tudo até achar, corri pro escritório abrindo e liguei todas as luzes, os papéis estavam espalhados sobre a mesa e eu encostei lá.

Notícias de roubos, a maioria a bancos, carros fortes. A maioria de porte alto, algumas fotos... O menino de cabelo vermelho, o menino com tatuagem de falcão, o menino que eu vi no dia do assalto dentro do carro, praticamente todos os meninos que eu vi no dia da balada...

Caralho, eu realmente fui muito burra. Como eu ignorei? Mas eu sabia, eu quis ignorar. Eu quis não dar atenção a todas os sinais, porque eu estava feliz, eu estava me sentindo viva e bem, por quê eu ia estragar isso?

Um homem que a aparência me lembrava o Theus, Dadinho... Lembro do meu pai falando sobre ele dias seguidos, "preciso pegar ele, preciso dele morto..." Na ficha dele estava dizendo que ele era o chefe do tráfico da Rocinha, peguei a ficha dele e caiu algumas fotos.

Ele.

Theus estava na foto com outro homem, porém parecia uma foto antiga. Tinha várias fotos, porém apenas em uma dava pra ver o rosto do Theus, e além disso nem era claramente, tinha algumas com outro homem que aparecia nitidamente, do Theus eu só conseguia identificar pela tatuagem no braço. mas em uma delas o rosto do outro homem estava com um x no rosto e ao lado um "-1" desenhado com uma carinha feliz.

Procurei a ficha do Theus e quando abri cai sentada na cadeira ao meu lado, coloquei a mão na boca e voltei a chorar, estava totalmente assustada, decepcionada e não sabia nem como reagir.

Mas sabe qual a pior parte? É que no fundo eu sabia, eu sentia que estava errado. Eu tive tantos sinais, eu vi coisas, eu sabia de coisas. O assalto, a balada, os amigos em comum, tudo... Eu sabia, mas eu preferi me fazer de cega, quis fingir que não sabia de nada.

E eu não conseguia explicar isso, mas eu só precisava sentir, eu precisava viver, e ele me deu essa chave pra vida, uma liberdade, alegria e felicidade. Era o que eu precisava, por isso preferi ignorar toda a merda.

"Comandante dos assaltos, filho do Dadinho e próximo air visitar o irmão no inferno."

A ficha dele era muito vazia, todas as acusações eram suspeitas, não havia prova pra nenhuma delas. Tirei foto de tudo que eu estava vendo enquanto via ele me ligar, organizei tudo da forma que achei e sai do escritório deixando como estava, trancado.

Lavei meu rosto no banheiro tomando um remédio pra dor de cabeça e peguei meu celular e a chave do meu carro, sai de casa trancando a porta e subi pro apartamento da Eloísa, quase derrubei a porta e ela abriu, me olhando assustada.

Eloísa: Quem tá morrendo? — Falou com voz de sono.

Mari: Estou perto.— Entrei.— Me dá um copo de água, por favor.

Eloísa: Jae.— Falou se arrastando até a cozinha.— Como foi? Queria ter ido, mas estava com uma cólica horrível.

Mari: Foi péssimo, a cerimônia foi legal, mas você não sabe o que aconteceu..— Ela me encarou curiosa e o celular dela tocou.

Eloísa: Rapidinho, é importante.— Falou saindo da sala.

Tomei toda água baixando a cabeça e soltava o ar, minha respiração estava nervosa e eu também. A Eloísa voltou e me encarou, seu olhar tinha algo, queria me dizer algo, mas eu não conseguia me concentrar nisso, só precisava desabafar.

Eloísa: Vamos falar sobre isso dando uma volta? Estou sufocada aqui.— Confirmei, me levantando.

Eu precisava disso realmente, do ar puro. Então a gente saiu do apartamento dela enquanto ela falava pra eu respirar porque parecia muito estressada. Eu não estava necessariamente estressada, eu estava em estado de surto.

Fomos pro meu carro e eu tirei ele da garagem, sai do prédio e não sábia por onde ir, fui devagar por ruas aleatórias e quando me dei estava na praia, andando devagar por ali, enquanto observava o mar. "Me encontra no posto 9." a mensagem dele vagou na minha mente e eu olhei pra ela, que mexia no celular.

Mari: Eu confiei no Theus, e ele não era de confiança, não é? — Ela me encarou.

Eloísa: Você o que? — Quase gritou.—Como assim no Theus, o que tá acontecendo?

Mari: Eu não sei, mas sinto que vacilei comigo, com meu pai, eu não sei o que fazer.—Falei encostando o carro, porque eu queria chorar.

Eloísa: Explica melhor.—Falou sem olhar pra mim, parecia ter algo muito errado acontecendo.

Encarei ela angustiada e vi o seu olhar para o retrovisor, olhei para mesma direção e vi que um carro havia parado atrás do meu, vi o menino que estava no carro do assalto descendo e neguei, me estiquei pra pegar a arma que ficava debaixo do banco e senti um soco no meu rosto.

Paralisei olhando para a Eloísa que colocou a mão na boca e eu senti as lágrimas descendo, a porta do meu lado foi aberta e senti um pano em contato com meu nariz, a última coisa que passa na minha mente são os olhos do homem que me encarava como um prêmio.

Era Uma Vez Onde histórias criam vida. Descubra agora