40

22.5K 2K 500
                                    

Gl.

Meu corpo todo ardeu com o bala entrando na minha coxa, me desequilibrei quando o Matheus caiu no chão e dei dois segundos de vantagem pros cara me acertar, olhei pro deco no chão e pro Vermelhinho atrás de mim, que tava no chão também.

Gl: Ele tá com perdendo sangue pra caralho, arruma alguém pra costurar isso aí porra.— Apontei.

Vermelhinho: Tu também tá viado, calma aí.— Falou pegando o raidinho.— Garotão ai vai morrer por conta de sangue perdido não, confia no pai.

Gl: Porra, tu sabe que perder sangue é grave pra caralho ne? — Ele me encarou negando.

Soltei uma risada fraca tentando fugir da dor e tirei minha blusa, amarrei na perna tentando aliviar e quase gritei de dor. Me levantei escorando na parede e Vermelhinho falou que os moleques tavam vindo, ignorei ele mandando ele me ajudar a levantar o Deco e ele fez, mas foi reclamando.

Papo de segundos pros moleques brotarem, agradeci mermo porque não tava nem conseguindo andar direito e levar o Deco era um peso do caralho. Mandei levar o Deco pra alguém que resolvesse o bagulho dele e fui tentar me arrastar, vermelhinho soltou uma risada e me ajudou a andar.

Vermelhinho: A bala saiu? — Confirmei.

Olhei pra minha perna e Vermelhinho me jogou dentro da sala, no canto tinha um maluco dos nossos que entendia dos bagulhos e tava olhando pra mão do Deco, enquanto falava os bagulhos que precisava.

Branquinho: Deco tá suave, ele só tá meio fraco. Mas bagulho tá tranquilo, quer costurar logo ai? — Os menor tudo me olhou, neguei olhando pro Matheus que tava começando a se mexer e desviei o olhar.

Tava doendo pra caralho, mas fiquei ligado nos tiros lá fora enquanto ignorava o bagulho aqui dentro, papo que costurar a mão Deco foi bagulho rápido, logo o menor veio pra perto de mim e eu tava fudido, a dor era insuportável.

Depois de uma cota, o dia já tava quase claro e a invasão tava tranquila, mas tinha carro de polícia rodando por toda favela. Deco mandou a ordem de geral ficar sossegado, eu fui o primeiro a levantar pra sair e fui me arrastando pra casa.

Quando tava quase chegando, vi a mãe Ana saindo da casa dela, olhei de lado e ia continuar andar, mas quando ela me viu, encostou no portão e ficou me olhando, enquanto eu desviei o olhar. Eu não queria ir lá, não queria ir falar com ela, só queria passar direto e ir pra minha casa.

É tanto tempo evitando ver e falar com ela que agora eu não sabia nem o que fazer, não sabia se ignorava ou ia até lá.

Ana: Gabriel.— Falou alto e eu olhei pra ela novamente.— Passa pra dentro.

Tentei responder um não, tentei continuar a andar mas não conseguia fazer isso. Dona Ana era sentimental pra caralho, sabia que ela ia ficar mal, que ia até chorar se eu ignorasse ela. Fui me arrastando pra lá e ela abriu tudo me deixando entrar, a última vez que eu pisei aqui foi quando o Deco me deu maior surra no ódio.

Moleque não nega a força que tem, maior pilantra.

Entrei calado e ela me empurrou pro sofá, cai sentado e estiquei a perna sentindo doer, ela sumiu mas logo apareceu com um copo de água na mão, e na outra um remédio.

Ana: A dor vai passar, filho.— Eu nem precisei falar nada, desviei o olhar tomando o remédio e senti minha cabeça doer.

Escutei a moto do Deco e ajeitei minha postura entregando o copo pra ela, Ana saiu indo até a cozinha e quanto Deco me olhou, já ia lançar um xingamento na cara, mas desviou o olhar e se calou.

Ana: Vocês só me arrumam problemas.— Soltou uma risada fraca, puxando o Deco pra sentar do meu lado.— Vou buscar remédio pra você também, filho.

Joguei a cabeça pra trás e olhei em volta, vi nossas fotos de quando pequenos e vi o Bryan... Ver ele, está aqui onde tudo me lembrava ele me deixava malzão viado, cada canto parecia ter um pedaço dele, uma memória de algum bagulho que a gente viveu.

Gl: Como tu consegue ficar aqui? — Minha voz saiu arrastada, cansada pra caralho.— Tudo é dele.

Deco: Não quero que ele seja esquecido, nunca quis... Aprendi a lidar sabendo que ele sempre viveria aqui, do meu lado.— Falou seco.— E minha mãe fala com ele todos os dias.

Gl: Ela ainda chora muito? — Deco me encarou e eu olhei pra ele de lado.

Deco: Tu nunca quis estar aqui quando ela precisou, nunca quis visitar pra saber se ela tava precisando de algo. Porque ela precisou pra caralho de tu aqui, então não rola esse papo agora! — Falou se levantando de uma vez.

Dona Ana veio dando o remédio pra ele e ele se trancou no quarto, encarei a tia que sentou do meu e eu só queria sair dali.

Pô filho, era minha forma de tentar evitar o sofrimento que isso era pra mim, papo reto. Eu não era igual ao Matheus, porque tudo que eu queria era esquecer aquele dia, pagaria qualquer coisa pra tirar aquilo da minha mente. Pra não ter que ver um irmão sendo morto, pra não ter que ver outro irmão novinho pra caralho vendo o irmão morrer na frente.

Pra não ter que lembrar que eu joguei a culpa pra cima de um moleque que vacilou, mas ainda tava conhecendo a vida, eu sempre me liguei que isso não era um direito meu. Mas o bagulho foi muito complicado, de uma hora outro tudo desandou.

E a única maneira de eu ainda ter uma base pra viver, era tentando apagar tudo da mente, porque papo reto? Eu não tinha força pra essa parada não.

Era Uma Vez Onde histórias criam vida. Descubra agora