Era Uma Vez

09

Marília.

Que vontade de ser a maior filha da puta que existe na vida do meu pai me surgiu, a vontade de pegar minhas coisas, largar tudo aqui e ir viver lá fora, sem ninguém pra me perturbar, pra me dizer ao contrário, pra me mandar...

Comecei a chorar igual uma criança, eu não valia nada pra ele, ele nunca teria orgulho de mim, não importava o que eu fizesse, não importava se eu iria passar no concurso, nada estaria bom pra ele, eu senti isso. Eu podia até jogar minha vida no morro, fazer o que ele queria, talvez nem isso traria orgulho para ele.

"Eu ficaria orgulhoso de você." — Como você já não tem orgulho de mim? Eu literalmente joguei minhas vidas nas suas mãos e deixo você controlar, a hora que eu durmo, a que eu acordo, o que eu faço, o que eu como, o que eu bebo, como que não é suficiente?

Bati minha cabeça na parede e me deitei, encolhi meu corpo enrolada no lençol e fiquei chorando ali, perdendo a noção do tempo até dormir... De manhã acordei assustada, alguém tava batendo na porta do meu quarto igual maluco.

Pulei da cama e quando abri era a Suzana, ela me encarou dos pés a cabeça, eu abri o olho assustada vendo que a casa já tava toda clara e suspirei olhando pra ela.

Suzana: Você tá um caco.— Semicerrei os olhos pra ela.— Falei pro seu pai que você tava vomitando, que não conseguiu levantar da cama, por hoje deu certo... Mas o que aconteceu?

Mari: Eu não quero mais viver a vida dele, eu preciso viver a minha. Eu não quero ser delegada, eu nunca quis. Eu sempre quis fazer dança, eu amo a sensação e realmente gosto... Eu não quero mais ter cinco horas de sono, um dia com 48 horas só porque ele quer... Eu quero viver.— Falei rápido, vendo ela me encarar.

Ela me olhou por quase um minuto, eu respirei fundo querendo chorar novamente e a Suzana me cedeu um abraço apertado, me encolhi no ombro dela e ela me apertou, tentando me mostrar que iria ficar tudo bem, e me fazendo chorar igual criança.

Suzana: Que tal tomar um banho, se organizar e a gente conversa melhor sobre isso? — Falou calma, me soltando, mas eu ficaria por horas em seu abraço. 

Mari: Tudo bem.— Falei cansada.

Ela saiu fechando a porta e eu entrei no banheiro, tomei um banho, lavei meu cabelo, finalmente relaxei... Sai e decidi que iria pra piscina, coloquei meu biquíni, uma roupa por cima e coloquei meu celular pra carregar, indo até a cozinha.

Ela tava cheia de comida pra mim e eu me sentei, coloquei suco e enchi minha boca de bolo, me sentindo aliviada.

Suzana: O seu pai vai surtar quando você falar que não quer mais fazer o concurso, Lilica.— Sorri fraco com o apelido.— Você se esforçou tanto, falta pouco tempo...

Mari: O esforço não é válido se não é algo que eu amo, que eu quero.— Falei baixo.

Suzana: Que tal você terminar essa etapa? Você passa nesse concurso, se estabiliza trabalhando, quando tiver dinheiro o suficiente pra sair daqui, larga tudo e vai viver seu sonho.— Joguei a cabeça pra trás.

Mari: Vai demorar tanto tempo.— Neguei.

Suzana: Você prefere sair daqui e tentar viver a cegas lá fora? — Encarei ela que me olhava com atenção.— Não é tão fácil quanto parece. De uma forma ou de outra, você ainda depende dele pra tudo.

Quando eu ia responder a porta abriu, os saltos já me fizeram saber de quem se tratava e eu revirei os olhos enjoada. A Bárbara entrou correndo e parou perto de mim, com um perfume horrível. 

Bárbara: Separe as minhas malas com as roupas, vou viajar com o Márcio.— Falou animada e eu olhei pra ela, que me encarou e sorriu o mais falso que ela conseguiu.— Você foi promovida irmã mais velha, finalmente.

Fiquei calada pra não falar que finalmente ela conseguiu dar um golpe da barriga, que demorou até. Então apenas ignorei e voltei a comer tranquilamente, a Suzana saiu da cozinha e eu pensei aliviada sobre essa viagem deles... Se tinha viagem, tinha um tempo de paz pra mim, tinha calmaria e eu não precisava surtar, eu iria ficar sozinha e poderia decidir o que iria fazer da minha vida, porque não tava encaixando mais aqui.