39 - VAMOS PARA CASA

44 7 1
                                    

POV: LINK


— Você não deveria ir, Link.

Kayra tinha permanecido calada massageando suas trêmulas asas desde que irrompeu da cratera em velocidade máxima. A princesa Zelda havia sido teletransportada para o Vilarejo de Rito, a seu comando. E eu estava prestes a enviar Kayra para Gerudo, já que a rainha Riju ainda estava no Zora's Domain, e segundo Zelda, nosso povo deveria ser reunido com o máximo de urgência.

— Eu não vou te obedecer. — Falei por fim. A translúcida tela azul com o mapa de Hyrule, brilhando frente aos meus olhos.

— Não estou te dando uma ordem.

Ela desviou a atenção das asas e se levantou, me encarando nos olhos. Eu não pude deixar de notar que a nossa diferença de altura mudou drasticamente desde aquele dia no Temple of Time, quando ela me seguiu mesmo sem o meu consentimento, e permaneceu ao meu lado desde então.

Kayra costumava ser mais imprudente do que eu. Então quando ela se mostrava cautelosa e inflexível, eu não sabia como reagir além de acatar ao seu desejo. Mas eu não poderia satisfazer suas reinvindicações no momento.

— A (s/n) precisa de mim.

— Ela está melhor sem você.

— Como pode dizer isso? — Perguntei, genuinamente ferido. — Kayra, a (s/n) é tudo para mim.

— Esse é o problema Link. — Ela se aproximou, suas pernas mal a sustentando sem cambalear levemente. O toque gelado de seus dedos no meu rosto, me queimando. — Se lembra de quando eu disse que meu Guardião não costuma se intrometer na minha jornada?

Encarei seus olhos cinzentos com pesar.

A voz que sussurrava em sua mente era um presente que os dragões recebiam ao nascer. Os Guardiões poderiam ser comparados a personificação de suas almas, sempre os fazendo companhia. Alguns, Kayra havia me confidencializado, passavam a vida inteira sem descobrir qual timbre essa voz teria. Enquanto outros, eram familiarizados com o seu eu interior.

Contudo, sendo criaturas que já viram toda a existência de suas versões terrenas, com exceção de um momento, eles se abstinham de influenciar em seus destinos.

Nem mesmo quando a Calamidade invadiu o Reino dos Dragões, quando Gale faleceu, quando Kayra foi escolhida para salvar os Campeões... Nem mesmo nesses momentos cruciais, sua voz jamais a alertou dos perigos, pois já sabia que ela falharia. Que a dor e a perda eram partes inevitáveis da vida, e que não deveriam ser mudados por motivos egoístas.

— Ele está interferindo? — Perguntei, não conseguindo mascarar o pânico crescente em meu peito e que transparecia em minha entonação.

— Muito pelo contrário. — Ela desfez a distância que existia entre nós, tocando minha testa com a sua. Uma respiração pesada deixou seus lábios, tocando os meus levemente, com sua névoa gélida. Seu poder não deveria se manifestar daquela forma, como se todo o seu ser estivesse fora de equilíbrio. — Eu não consigo senti-lo mais. Ele sumiu.

— E o que isso significa? — Trinquei os dentes, tendo uma vaga ideia do que a ausência de seu Guardião poderia significar. Mas eu implorei para que estivesse errado.

— Que eu vou morrer muito em breve.

Uma lágrima pousou em minha bochecha, mas não me pertencia. Kayra ajoelhou com estrondo no chão úmido, enquanto seus dedos permaneciam agarrados aos meus.

— Não... — Minha voz tremeu quando a tomei em meus braços. — Você não vai... Kayra. Eu não vou deixar!

— Temo que esteja além do seu controle Link. Mas não te contei isso para que você me ajudasse. — Ela afastou as lágrimas e exibiu um sorriso cansado. — Existe um motivo para que nossas almas partam antes que nosso corpo pereça.

Eu não queria ouvir. Ela estava se despedindo e eu não diria adeus para ela. Como poderia?

— Me escute, por favor. — Ela implorou. Levantando meu queixo para que eu a encarasse. — Elas partem antes que possam vislumbrar o nosso fim.

— Para que o destino não possa ser modificado. — Completei.

— Sim.

— Kayra...

— Ainda estou aqui Link. E vou me agarrar a essa vida pelo tempo que me resta e ser útil. — Ela me abraçou por um breve momento, a temperatura de seu corpo estava caindo exponencialmente. — Eu não quero que você desça para buscar a (s/n) porque estou com a sensação de que você não voltará.

— Mas!

— Confie em mim. Eu nunca abandonaria a pessoa que você ama para te poupar, mesmo que o meu instinto grite que você é a minha única prioridade. — Ela testou suas asas por um instante antes de continuar. — Não prometo que ela sairá ilesa, mas ela sobreviverá. Já você... Se for atrás dela, morrerá, assim como eu.

Se o meu destino já estava previsto, não havia muito o que eu pudesse fazer. Eu iria até a (s/n) mesmo que isso significasse a minha ruína, eu a salvaria.

O instinto da Kayra não previa que a integridade da (s/n) seria resguardada, e isso era o suficiente para que eu partisse.

Mas assim que me aproximei do abismo, a voz da (s/n) me manteve no lugar.

"Sua morte não me ajudaria de forma alguma, então se algum dia chegarmos a esse ponto, pense em uma alternativa em que nós dois saíamos vivos."

— Vamos embora Link. — Kayra tomou minha mão e me guiou de volta pelo caminho que eu havia percorrido até ali.

— E para onde vamos?

Eu tinha sido um soldado por toda a minha vida, ordens eram algo que eu tinha confiança em acatar, aparte da minha impetuosidade. E cicatrizes e a dor nunca foram um empecilho, e jamais um impedimento, para que eu me colocasse em perigo.

E mesmo assim, cá estava eu. Permitindo que ela me arrastasse, que me afastasse da (s/n), que me dissesse o que fazer. E o meu coração se desfazia em milhões de pedaços, imensamente mais doloroso do que se eu o tivesse dilacerado com a minha própria espada.

Mas não importava o quanto eu chorasse e quisesse voltar. A voz da (s/n) soava mais alta e irritada, toda vez que eu cogitava descumprir nossa promessa e me sacrificar.

Sem mártires, ela repetia como um mantra quando alcançamos a saída da caverna nas profundezas do Castelo.

Kayra me tomou em seus braços, e venceu a distância da doca até os campos que demarcavam os terrenos reais. E assim que seus pés tocaram a grama, ela se transformou.

Parecia que uma eternidade havia se passado desde a última vez que a tinha visto na forma de um dragão, com o azul de suas escamas absorvendo o brilho do sol e tremeluzindo como se fossem o reflexo gentil da superfície de um lago.

E como no passado, subi em suas costas, me posicionando atrás do primeiro dos muitos espinhos que desciam por sua coluna até a ponta da cauda.

Ela olhou para o céu, que alheio ao nosso sofrimento, exibia sua beleza azul salpicada por singelas nuvens.

— Vamos para casa. 

Filha do Sol e do Mar__FANFIC: Link x Leitora (BOTW)Onde histórias criam vida. Descubra agora