Eu sou teu

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Sentindo uma carícia suave em seus cabelos, Rivaille aconchegou-se melhor sobre as plantas que lhe serviam como travesseiro. Ele podia ouvir a voz de sua mãe cantando baixinho enquanto o ninava como sempre fizera em sua infância e sentia-se tão bem com isso que pediu a deus para que pudesse ficar assim para sempre.

Entretanto ele não podia e sua consciência fez questão de o lembrar do porquê.

Escombros, fogo, gritos e cheiro de carne queimando. A imagem de sua mãe esmagada pelas vigas da própria casa com os olhos abertos e sem vida voltados para ele. Ela o havia empurrado para que não fosse esmagado também, morrendo ainda o fitando com lágrimas nos olhos e um pequeno sorriso por saber que tinha conseguido o proteger em seus últimos momentos.

De repente a voz que cantava se distorceu. Não era sua mãe, mas havia alguém falando ali perto... Quem?

Forçando seus olhos a se abrirem o caçador levantou-se num rompante e o cenário ao seu redor não poderia ser mais diferente daquele mar de destruição que sempre via em seus pesadelos.

Era uma clareira. O som dos pássaros cantando ecoava por toda a parte assim como o burburinho de um riacho que corria em algum lugar por ali e do riso infantil de um grupo de crianças majin que brincavam mais adiante sendo observadas pelos pais sorridentes.

Suas sobrancelhas franziram. Ele tinha certeza de que não estava ali antes, mas sua memória estava tão confusa e embaralhada que, sinceramente, sequer sabia se aquilo diante dele era real ou não.

Logo uma das crianças se dispersou do grupo; uma garota com os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo e os olhos tão negros como uma noite sem luar; orelhas e focinho de porco compunham o restante de seu rosto extremamente semelhante ao de uma orc, embora sua pele de tom cobreado típico dos humanos que viviam em regiões desérticas fosse bem diferente do verde acinzentado daquela que parecia ser sua mãe.

A menina de vestido branco com uma coroa de flores no cabelo aproximou-se dele acenando antes de notar o olhar atento do rapaz ao adereço que tinha na cabeça e então, levando uma das mãos ao objeto, ela o tirou e ofereceu-lhe de presente:

- É para mim? - questionou incerto e ela sorriu mostrando suas pequenas presinhas, acenando com a cabeça em positiva enquanto colocava o enfeite nele.

Em seguida, tomando-o pela mão, ela puxou-o num pedido mudo para que a acompanhasse e, estando ainda um tanto confuso e atordoado, Rivaille acabou deixando-se ser guiado para longe daquele grande gramado, seguindo até um lindo campo de flores onde provavelmente ela teria colhido o material para trançar aquela coroa que ele agora usava.

Estava tudo tão estranho... Tanto que o rapaz perguntava a si mesmo se ainda estava sonhando, mas quando um grupo de aproximadamente cinco fadinhas surgiu rodopiando no ar e a garotinha o soltou para correr e brincar com elas, ele pôde constatar que não era o caso.

Ele nunca sonharia com algo assim. Seus sonhos, por norma, eram todos repletos de sangue, fogo e morte; não havia espaço neles para coisas bonitas como aquela, como o sorriso daquela orc ou o riso gostoso que ela soltava conforme as fadinhas faziam seus cabelos flutuarem, trançando-os com flores e folhas.

Na verdade, o simples fato dele cogitar associar a palavra "lindo" a um majin como fizera naquele momento era surreal demais para que sua mente pudesse imaginar, então a única opção que lhe restava era aceitar.

Aquele lugar era real e as coisas acontecendo ali também eram. Ele apenas não sabia como tinha chegado até lá:

- Então você acordou... -a voz daquele majin de olhos verdes soou risonha e ao olhar para o lado, notou-o surgindo do meio das flores- Eu pedi para a Sasha te levar até mim quando acordasse, mas parece que ela se distraiu - apontou para a menina que ainda brincava mais adiante completamente alheia a conversa entre os dois rapazes.

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