Dói ter que afastá-la, mas, é necessário.

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♣ Ilana Howard ♣

Após Marcelo sair de nossa casa, eu corro para o quarto de Valentina. E ela está em pânico. Chora sem parar, inconsolável! Por ter a pele bem branca, com o choro contínuo não leva muito tempo para que seus olhos, bochechas e nariz fiquem vermelhos.

Raramente a tinha visto assim, pois desde que o maldito Jackson nos deixou, eu faço de tudo para tornar a vida da minha menina menos miserável.

Agora por causa dele, outra vez, Valentina está em pedaços. Não é para menos, quem poderia imaginar que ao chegar da escola encontraria com alguém dizendo que o seu pai apostara o sangue do seu sangue na mesa.

Ainda assim, eu tenho de agir. Não posso deixar minha Valentina ir com aquele homem odioso e ter que pagar pelos erros do pai.

Ela está no chão, segurando a cabeça com as duas mãos e soluçando, balbuciando que “isso não pode estar acontecendo”.

No fundo, eu também quero me desesperar, mas tenho de ser esperta e tirá-la da cidade o quanto antes.

— Filha, arrume suas coisas rápido! Você não pode ficar aqui, esse homem irá voltar, e certamente te levará com ele. — Pego-a pelos braços com esforço, apesar de magrinha, ela é bem crescida. — Temo que não consiga impedi-lo se ele retornar com mais ajuda.

— O que vamos fazer, mãe? Não temos para onde ir! — Os olhos azuis brilhantes e encharcados me encaram. Sinto a dor da despedida em antecipação.

— Eu tenho uma outra casa em Genebra! Alugo o imóvel para o caso de seu pai vier atrás de nós em busca de dinheiro. — Valentina me encara como se eu fosse de outra espécie, confusa. — Vá para lá e se esconda. Ele não irá suspeitar. A casa está no nome da sua avó! Ele não conseguirá segui-la até lá.

— Que tipo de pai vende a filha? — pergunta em meio as lágrimas não acreditando que sua vida havia se tornado uma montanha russa em um piscar de olhos. — O que eu fiz de errado para que ele me odeie tanto assim, mamãe?

As palavras dela me partem o coração, quero apenas poder abraçá-la e consolá-la pelo tempo que for necessário, mas não podemos demorar. Ou Marcelo voltará e nunca mais verei minha filha. Seguro seu rosto para que me olhe.

— E se tentarmos um acordo? Qualquer coisa? — sugere.

— Val, me escute com atenção, não tem acordo com esse tipo de gente. Ele é uma espécie de don, como nos filmes que assistimos. Um chefe de uma rede de crime organizado e é muito perigoso, querida. Nem a polícia pode nos ajudar.

Valentina franze o cenho.

— A senhora sabe quem ele é?

Suspiro com tristeza e assinto. Quando Jack ainda tinha seus milhões, a família Clark integrava o círculo social dos magnatas americanos. Eu conheci o pai de Marcelo, e ambos eram idênticos tanto fisicamente quanto no próprio jeito. Aconselhei meu então marido a ficar longe deles, e por um tempo pareceu me ouvir. Não há negociação com um homem desses.

— Essa gente só faz o que quer, e se não fizer, eles matam. Ele é um homem temido, ninguém o desafia. — Levanto-me para começar a enfiar as roupas de Valentina numa mala.

— Vamos se apresse temos que agir logo. Não me ligue em hipótese alguma! O fato de você não me ligar vai me provar que estará bem. E por favor, meu amor… não me odeie por isso.

Valentina me encara com tristeza, mas, ao mesmo tempo carinho.

— Como eu poderia odiar você que sempre esteve ao meu lado? Que me protegeu de tudo, me criou sozinha e não foi fácil. Eu sei disso.

— Minha menina. Não se preocupe com isso Valentina, você é minha filha, é meu dever te proteger, agora você não entende o que digo, mas quando tiver os seus filhos, meu amor, vai compreender que para proteger sua cria uma mãe é capaz de tudo.

— Nunca ficamos separadas uma da outra assim. — Ela murmura. — Como vou aguentar a saudade, mamãe? Como vou passar esse tempo sem sua voz?

— Eu também sentirei muito a sua falta. Porém, se me ligar, ele vai conseguir te encontrar! Estará sempre em meus pensamentos! Agora é a hora que precisará ser forte e seguir para Genebra.

— Tudo bem mamãe, farei como me pede.

Às pressas, arrumo as coisas dela e a visto de modo que não chame a atenção de ninguém. É difícil. Valentina é bonita, mestiça em meio ao mar de loiras e ruivas da Suíça, mas confio no traje simples que a fará se passar por uma moça humilde em um trem.

Nem mesmo posso acompanhá-la até a estação, o máximo que posso fazer é despistar o troglodita que o Marcelo deixou de tocaia em nossa porta. Vamos passar por um pequeno bosque atrás da casa. Apesar de ser mais perigoso, seria tão mais fácil se tudo estivesse coberto de neve.

Dou um abraço apertado em minha filha, de quem nunca havia me separado antes. Meu coração de mãe sangra, pois temo que esse homem a tire de mim e a faça sofrer.

— Tome cuidado, minha filha. E aconteça o que acontecer, não dê sua vida a ele. Não o deixe vencer.

Seguro as lágrimas, a deixo no bosque e volto para dentro de casa.

♥ Valentina Becker ♥

Nada foi mais difícil para mim do que me despedir de mamãe. Cada toque da vegetação do bosque na descida íngreme até a rua de baixo é como uma agressão. Meu coração bate descompassado enquanto, com a cabeça baixa, eu caminho para a estação.

Esse sentimento não diminuiu mesmo quando o trem deixa a plataforma rumo a Genebra. Depois de duas horas de viagem, finalmente chego à capital diplomática do mundo.

O endereço da casa foi difícil de encontrar, e se para mim, foi assim, talvez realmente mamãe tenha razão sobre esse esconderijo.
A casa é bem arrumada e aconchegante.

Dona Ilana, pelo visto, tem seus segredos.
Agora que mamãe se foi estou sozinha e sem saber o que fazer. Ela sempre esteve por perto para me orientar e me dizer como agir, estando longe, como vou sobreviver?

Como saberei o que fazer e quando agir? Bato em minhas bochechas com as mãos abertas e me encorajo a seguir em frente.

Preciso ser forte agora, como minha mãe sempre foi. Ela me ensinou muita coisa e é necessário que eu as coloque em prática e não a preocupe.

Depois de termos deixado o papai, ela me criou sem a ajuda dele, é minha vez de usar esse exemplo e seguir em frente.

Desfaço as malas e vejo se há mantimentos. Surpreendentemente há alguns poucos itens na geladeira, sinal que alguém estivera aqui antes de mim e, de alguma forma, preparado um pouco a casa para a minha chegada.

Um conhecido de mamãe, talvez?
Subo para o quarto com a mala e começo a arrumar tudo. Como estou cansada...faço apenas um sanduíche e vou tomar um banho.

Logo em seguida, caio na cama, não estou com cabeça para mais nada. As lembranças desse dia – que desejava de toda minha alma não ter existido – ficam me atormentando e, movida por um estranho desespero, levanto-me e tranco todas as portas e janelas.

♣ ♥ ♠ ♦ Contínua no próximo capítulo. ♣ ♥ ♠ ♦

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