Erik de mãos atadas, e adaptação de Valentina.

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♦ Erik Ludwig ♦

FRANKFURT, Alemanha

— É a minha filha. – Disse Marcelo do outro lado da linha.

Estou parado num ponto de ônibus assistindo à neve rala cair pela cidade enquanto ele fala. Quase não consigo chegar ao asfalto. Deixei passar o transporte que me levaria para a siderúrgica e para às nove horas diárias de trabalho para conseguir pagar minhas contas.

Meu histórico me impede de arrumar um emprego melhor, um soldado exonerado com desonra vale tanto quanto um ex-detento. Quatorze anos, nenhum contato com os Estados Unidos ou com a família Clark e agora isso. Filha?

Marcelo tinha uma filha? Não valia a pena perguntar, ele sempre transou mais do que conseguia aguentar, mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer.

— Sequestrada? Fugida? — Pergunto. Dependendo da resposta posso saber se aquele homem se tornou o próprio pai, embora soubesse que inevitavelmente tivesse que fazê-lo um dia.
Sinto o sangue correr por minhas veias mais rápido ao pensar em Caesar Clark e seus malditos charutos.

— Eu não sei. Estávamos em Berna de férias e ela simplesmente sumiu, foi vista em Genebra com uma mulher misteriosa e depois foi rastreada até aí. Passaporte falso, nome falso... Pensaram em tudo... Qualquer inimigo de Marcelo sabe que a Alemanha é o local perfeito para se esconder dele.

Os Strauss podem não ser a maior organização criminosa do mundo, mas com certeza é uma das mais bem armadas. Vários de meus ex-companheiros da KSK abandonaram o lado certo da lei pelo dinheiro que ofereciam, e eu sentia que estaria fazendo o mesmo se aceitasse a proposta de Clark.

— Já recebeu algum pedido de resgate? Um dedo ou alguma coisa do tipo? — pergunto. O modo de intimidação mais clichê e eficaz...

— Não, mas se minhas suspeitas forem corretas, logo vou receber. E eu quero muito tê-la inteira comigo. — A voz dele está levemente embargada, não é típico de Marcelo. — Não sei mais o que fazer. Ela...

— Quantos anos ela tem?

— É uma criança, não sabe nada da vida.

— Quantos anos ela tem, Marcelo? — Insisto.

— "Doze".

Então ele a teve aos vinte anos, um pouco depois que fui embora dos Estados Unidos. Puta que pariu... As merdas que essa garota deve estar passando se estiver nas mãos dos Strauss ou qualquer outro grupo que ameace Marcelo... Respirei fundo só de pensar. Já tinha visto torturas demais.

— Eu só posso confiar em você para trazer a minha garota de volta.

— Qual o nome dela?

— Ela entrou no país com o nome de Katerina Bohn Sette, mas seu nome verdadeiro é Valentina. É morena, magra... Olhos azuis...

— Isso é irrelevante, a esta altura já devem ter mudado a aparência dela. Sabe se ela veio num voo particular ou algo assim?

— Comercial. Pousou em Berlim há um mês.

Muito peito exibir a filha de Marcelo Clark às câmeras do aeroporto, mas um mês inteiro e nenhum resgate? Isso só pode significar uma coisa e não era das melhores.
Poucos reféns sobrevivem tanto tempo, a menos que tenham algum valor.

— Não sei mais o que fazer... Você é minha única chance de recuperar minha Valentina.

Ele continua dramático, algumas coisas não mudam. Eu havia parado de acompanhar a vida do meu velho amigo depois que ele tomou uma surra dos Strauss em solo alemão. Eu não podia me envolver, visto que estaríamos em lados opostos do conflito, e eu estava em missão fora quando aconteceu, minha dispensa aconteceu um tempo depois disso quando a KSK assumiu a operação contra os Strauss.

Se eu continuasse a observá-lo, sentiria martelar a culpa de ainda não ter pago minha dívida com ele. E agora... A situação era séria, uma garota de doze anos nas mãos de criminosos, Marcelo de mãos atadas... E eu também. Pela dívida, pela necessidade...
Merda...

— Vou precisar apenas de dez mil euros por enquanto, mande uma foto dela se puder — falo e ouço uma respiração de alívio do outro lado da linha. — Mais que isso e a Receita bate à minha porta.

— Certo. Do que mais você precisa? – Marcelo pergunta.

— Vodka gelada e sete dias.

♥ Valentina Becker ♥

Munique, Alemanha

Cinco dias depois

Minhas mãos tremem, não de frio, mas de nervosismo. Por quê? Eu já estou aqui. Eu pousei, passei pelos uniformes... Já faz um mês. Minha mente ainda não acredita que estou segura e parece sempre me relembrar do fato de estar sozinha.

Sentada na banheira cuja água já começa a esfriar, eu encaro meus dedos já enrugados e trêmulos embaixo da luz fria da cidade. Sinto meu cabelo grudado às costas se arrastando quando deito o queixo sobre os joelhos recolhidos.

Sinto saudade de mamãe, e de como gentilmente penteava-os. Tudo será diferente agora, eu estou num país que eu não conheço, com um futuro incerto a me esperar do lado de fora do banheiro, desse apartamento minúsculo com cheiro de poeira e café forte sendo passado toda manhã por Klaus Bohn Hartbrod.

Ele é um senhor de quase cem anos com feições duras, cabelos ralos brancos que um dia foram quase ruivos e que diz ser amigo de mamãe e papai. Mais alemão impossível, e agora meu "avô". Só acreditei depois que ele me mostrou uma foto envelhecida, tirada numa Polaroid onde meus pais alegremente o rodeavam.

O bebê que ele segurava tão delicadamente era eu. Só podia ser eu. Batidas na porta que quase soam metálicas como uma cela de prisão.

— O café está pronto. Venha comer — Diz Klaus do outro lado.

— Já estou indo! —Respondo no meu alemão arranhado. Não é tão diferente do sueco, mas à suas particularidades que eu preciso aprender se quiser passar por uma garota alemã legítima e não uma fugitiva.

Saio da água, cuido para não inundar o chão do banheiro e me enrolo em uma toalha muito fina. Olho-me no espelho. O par de olhos azuis continua igual, mas meus cabelos agora descoloridos, quase platinados não parecem ser meus. Magra, alta e loira. Mais alemã impossível, penso. Preciso me acalmar.

Desembaraço os cabelos longos e um pouco ásperos pela descolorização agressiva e coloco roupas quentes. Klaus me recepciona com nenhum sorriso ou olhar, preocupado demais em arrumar a mesa e colocar o enorme brot escurecido que eu aprendi a odiar em apenas setenta e duas horas de estadia. Ele é duro, sem sabor e provavelmente feito no mês anterior.

♣ ♥ ♠ ♦ Contínua no próximo capítulo ♣ ♥ ♠ ♦

P.S: Agora a ação e adrenalina começa preparem seus corações. Muita emoções aguardam por vocês até o próximo capítulo. Boa leitura.

Sem EscolhaOnde histórias criam vida. Descubra agora