EMOÇÕES A FLOR DA PELE l.

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♠ Marcelo Clark ♠

Eu a deixei lá desde ontem, eu ainda não fui ver. Ela deve estar arrependida, excitada como eu quero.

Desço até a cozinha, faço um prato pra ela e vou para o quarto, ela está lendo. Há uma pilha de mais de cinco livros na mesinha de cabeceira.

Biografia de Henrique VIII, A Arte da Guerra, um marcador quase no final do meu exemplar de 1984 de Orwell.

O Príncipe... O que ela queria com tudo isso? O exemplar despontando no travesseiro virado para baixo indica um volume de enciclopédia sobre anatomia.

O tipo de encadernação que só serve para enfeitar, mas ela estava lendo e o índice indicava uma definição técnica e recatada de como funcionava um — esbocei um sorriso — orgasmo.
Garotinha curiosa...

— Valentina, acorde. Como se sente?

— Que raio de pergunta é essa? — Essa garota me tira do sério, abre os olhos sonolentos.

— Comporte-se, não quero ter que tirar seus privilégios.

— Privilégios? — Ela ergue os olhos para mim com a sobrancelha arqueada. — Ser forçada a casar com um criminoso pode ser considerado privilégio, quando morrer parece uma opção plausível?

— Bom, não sou eu quem anda querendo saber mais sobre alguns desses privilégios — insinuo com um olhar para o livro que ela trata de fechar e coloca embaixo do travesseiro.

— Vá para o inferno...

— Coma, eu trouxe comida e suco.

— Não estou com fome.

— Estou ficando sem paciência, Valentina, e ando facilitando demais para você. Mais uma palhaçada daquelas e eu não vou me poupar.

— Você já tirou tudo de mim. Espero que seja criativo ao tentar me atingir.

Dou um sorriso, parece que ela não aprendeu nada com suas leituras. Todos tinham o que perder.

Pego a comida e saio do quarto com a imagem do seu castigo em mente, ela não sabe o que a espera.

♥ Valentina Becker ♥

Quando ele sai do quarto um arrepio se abate sobre mim e tenho uma súbita consciência da merda que acabei de fazer.

Quando me levanto para sair e chego à porta, percebo que está trancada pelo lado de fora. Começo a bater nela.

— Erik! — grito. — Erik, está aí? Marcelo?!

Não há resposta do outro lado. Nada, nem um mísero som, por vários minutos, e sinto meu estômago se apertar.

O que foi que eu fiz? Mais de vinte horas se passaram, e fico andando de um lado para o outro ignorando o rombo no estômago, apenas destilando a ansiedade.

Quando finalmente ouço o trinco, prendo a respiração. A porta se abre e vejo Arlete parada segurando uma bandeja cheia de comida como costumava fazer, porém, ao contrário dos outros dias, seu rosto está marcado por um hematoma fresco e ainda vermelho.

Um fio de sangue escorre pelo lado da boca, o olho está inchando a cada segundo que passa, afundado na órbita.

Coloco a mão sobre a boca, horrorizada e minhas lágrimas descem junto com as dela. Seu olhar é baixo, seus soluços contidos porque Marcelo está atrás dela como um demônio vigilante.

— Faça ela comer. — ordena ele, empurrando Arlete para dentro do cômodo. O semblante sempre gentil dela está destruído e a culpa é toda minha. — Pense bem na próxima vez que pensar que não tem nada a perder, Valentina. Sabe quem vai ser o próximo, já que andam tão amiguinhos... Bom apetite, querida.

Erik...

Assim que Marcelo deixa a porta, corro para amparar Arlete, mas ela se desvencilha de meu toque e com as mãos trêmulas deixa a bandeja na mesinha de centro perto dos sofás.

— Arlete... — digo com o choro apertando a garganta. — Eu sinto muito...

Sem nada dizer, ela sai ainda sofrendo espasmos de dor. Nunca me senti mais miserável na vida.

♦ Erik Ludwig ♦

— Arlete?

— Erik... — A governanta fica surpresa ao me ver na cozinha e tem o rápido impulso de virar o rosto machucado para longe.

— O que foi que ele fez? — Pergunto tomado pela fúria. O estado da mulher é miserável, seu olho tinha inchado a proporções absurdas.

Parecia abatida, derrotada e não era para menos. O que Marcelo estava fazendo? O doutor Veltsen apertava uma pequena gaze em seu lábio partido, com igual expressão de pena.
— Por favor, Erik, não piore mais as coisas... — Ela responde.

— Como não? Olhe só para você, Arlete! — digo, revoltado.

— Senhor Ludwig... — interrompe o médico. — Ela não precisa disso agora.

Desvio o olhar, ele tem razão. Clark podia ser ainda mais monstruoso do que eu pensava, e desconfio que mais ainda que o maldito Caesar.

Sabia que Valentina adora Arlete. Tinha certeza de que em algum momento Marcelo usaria isso para machucá-la.

— Valentina? — indago.

— Está trancada no quarto.

— Marcelo? — Outra vez.

— Espero que no inferno — diz amarga, expressando a dor quando Veltsen começa a suturar o lábio.

— Ele está com John no escritório — responde o médico.

Sem mais, subo a escadaria de dois em dois degraus com os punhos trêmulos de raiva. Primeiro atacou Valentina, agora estava machucando uma mulher inocente para atingi-la, e nisso, me pegou no fogo cruzado.

Sabia da minha culpa, do meu passado, e mesmo assim continua a querer controlar tudo e todos pelo medo.

A porta do escritório está entreaberta. Do corredor, escuto o diálogo entre Marcelo e John.

— Durante os últimos dias eu analisei todos os relatórios entregues pelos informantes, sei quando meu alvo saí de casa, em quantos carros, com quantos homens... Os modelos de seus veículos, o calibre de seu armamento, se bobear até o tamanho de suas cuecas. — Me aproximo com cuidado para ouvir melhor. — Não tem como errar, a segurança do local deixa a desejar e ele ficou relaxado graças a nossa apatia durante todos esses anos. Isso vai mudar comigo.

Convoquei alguns soldados da costa leste que estão chegando aos montes e numa discrição surpreendente. As cabeças dos meus inimigos em estacas chamarão suficiente atenção do outro lado do mundo.

Eu não estou atacando as famílias, eu trabalho para alertá-las sobre o rato que há em sua mesa de jantar.

♣️♥️♠️♦️ Contínua no próximo capítulo. ♣️♥️♠️♦️

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