Assombrado pelo passado parte ll.

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♦ Erik Ludwig ♦

O olhar cínico de Dave não me afeta, sigo a ele e a governanta apenas até poder entrar no enorme cômodo do térreo.

Não consigo me sentar, não consigo relaxar e só folgo meus dedos no cabo do fuzil quando percebo os nós doloridos por baixo do frio.

Estão vermelhos nas juntas, unhas arroxeadas. Finalmente tiro a alça do fuzil do pescoço, deixando-a pender na mão olhando a paisagem escura lá fora.

As luzes do caminho da entrada indicam o nível de exposição da casa. Mesmo não querendo estar aqui, minha mente, extremamente cautelosa, continua a trabalhar.

Pior que ser morto por Marcelo seria morrer pelas mãos de seus inimigos.

A porta se abre atrás de mim pouco depois, com um estrondo, e é fechada da mesma maneira.
Demoro alguns momentos para me virar, preparando-me para encará-lo. Péssima escolha, assim que vejo seu rosto o punho de Marcelo acerta em cheio meu nariz, desnorteando meus sentidos o suficiente para me fazer cambalear para trás. Sinto o gosto ferroso na língua.

— Você trepou com ela?! — Urra Marcelo na minha cara.

— Mas de que porra você está falando? — Devolvo a pergunta, verificando o estado do ponto atingido. Ainda está no lugar.

— Eu estava lá, como um idiota jurando que iria protegê-la, adivinhe que nome ela disse?
Olho para cima, vejo seus olhos faiscando fúria e contenho a vontade de rir.

Valentina chamando o nome de outro homem num devaneio febril é o equivalente a cuspir na cara de Marcelo Clark.

O rapaz que tinha várias amantes, mas não as permitia fazer o mesmo.
Ouço a pistola ser tirada do terno e sei que está apontando para minha cabeça mesmo estando com os olhos no chão tentando me recuperar.

Isso deve funcionar com o resto dos babacas que trabalham com ele, mas já estive na mira de uma arma vezes demais para entrar em pânico.

— Responda antes que eu aperte esse gatilho e te mande para o inferno com seus pais — Diz entre os dentes, então o encaro, sentindo alguma coisa destravar por dentro.
Endireito a postura e tento colocar meus pensamentos no lugar.

É preciso não ceder à cólera que surge com a menção da minha família. Estão mortos por culpa dos Clark, por causa desse sangue maldito nas veias de Marcelo.
Vejo Caesar no rosto de meu amigo de antes e quero devolver o golpe com todas as memórias que não me deixam nunca.

"Você é um garoto esperto, Erik. Faça o que eu mando e ninguém vai se machucar", a voz do homem voltava a sussurrar em minha mente, causando um arrepio ácido sob a pele.
Por um milésimo de segundo o semblante de Marcelo vacila, e posso ver o mesmo garoto assustado comigo no quarto do pânico. No milésimo seguinte, minhas mãos se movem.
Num rápido manejo treinado e executado centenas de vezes, a arma saiu das mãos dele pousando nas minhas.

O cano agora estava apontado para a testa dele e aos poucos a calmaria e o ceticismo retomaram seus lugares nas feições duras de Clark.

— Pergunte de novo — Falei.

— O que vai fazer? Atirar na minha cara e fugir com a minha esposa?

— Tentador — Confessei com o dedo sobre o gatilho. — Quando você tira tudo de um homem o que você pensa que vai impedi-lo de matá-lo?

— Sua culpa, Erik — Responde de modo firme. — Sua culpa te trouxe aqui, e é ela quem vai prendê-lo para o resto da vida comigo. Somos irmãos, unidos por sangue.

— Pelo sangue dos outros.

— Exatamente, e não vou deixar a sua fraqueza moral interferir nos meus planos. Agora se não quiser que Dave atire na sua cabeça da porta — Virei a cabeça por um segundo para ver a sombra dele empunhando um. 38 na minha direção atrás dos vidros. O desgraçado deveria estar se regozijando na esperteza do chefe. — Responda a minha pergunta. Você transou com a minha mulher?

Eu quis mentir e dizer que sim, quis ver a fúria de novo nos olhos dele. Mas depois que meu cadáver tocasse o chão, o próximo seria da garota.

Abaixo a arma, expelindo o pente e largando às duas partes no chão antes de dizer:

— Não.

Sem mais, Marcelo se vira caminhando de volta por onde veio.

— Quero você de tocaia na porta do quarto essa noite — Ordenou sem me encarar.

♣ ♥ ♠ ♦ Contínua no próximo capítulo ♣ ♥ ♠ ♦

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