Afeto.

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Cheguei tarde, o que não era de costume. O trânsito estava meio ruim e meu humor já não tinha amanhecido dos melhores, então além de lidar com meu estresse, precisava lidar com as situações do meu dia que corroboravam para que ele piorasse... E eu também.

Mas sigo no princípio de uma boa convivência, tentar controlar o meu estresse é o mínimo, ninguém tem culpa se meus hormônios amanheceram me atacando, eu certamente não iria atacar outras pessoas.

Vivemos em um mundo imediatista, que quer tudo nas mãos no mesmo momento em que pediu, não importando se os métodos para conseguir foram por cima de pau e pedra. Somos ensinados a viver assim, isso consequentemente nos torna pessoas impacientes e estressadas além do que deviamos ser.

A lavagem cerebral foi tanta que nem numa fila de supermercado com três pessoas na frente nós conseguimos esperar.

Temos pressa de viver, levaremos essa pressa para dentro do caixão enquanto a terra come nosso corpo e onde a vida já não pode mais ser usada ou os pequenos momentos não podem mais ser aproveitados.

De onde eu venho o tempo é rei e a paciência é uma dádiva. Desacelerar, nesse processo de enlouquecimento em conjunto é uma escolha de autocuidado que zela da sua mente.

Tempo é sabedor das coisas, sarador de feridas e administrador da paciência, sabedoria e serenidade. Viver significa aceitar em sua grande parte a realidade, isso inclui os pequenos obstáculos que enfrentaremos durante o dia, cabe a nós sabermos, aprendermos e aceitarmos a lidar com eles.

Isso não me faz menos estressada, mas faz com que eu saiba usar minha raiva e minha impaciência. Existem certas coisas que não podemos mudar, eu não posso mudar a demora da fila, nem os meus hormônios atacando meu corpo, aceitar isso faz com que eu tenha consciência de que também irá passar, basta o tempo se encarregar de tal, afinal o tempo passa.

Aceitei meu dia corrido, fiz escolhas prezando minha saúde mental e por fim, parei na faculdade, em uma sala de aula para terminar mais um objetivo. Já tinha entrado, já tinha cumprimentado todos eles e já tinha iniciado minha aula.

Meus olhos vez ou outra buscavam a minha aluna prodígio que, dessa vez, estranhamente havia sentado longe de mim na última cadeira da sala, bem no canto. Se trajava toda de moletom e capuz, parecia mais fechada e eu respeitei esse momento, não instigando-a como costumava fazer. Acontece que às vezes a gente só quer ficar quieto no nosso canto e tá tudo bem.

Só que eu havia chegado no relógio, antes do intervalo eu costumava fazer a chamada, o que era uma regra da instituição que eu trabalhava. Se eu pudesse nem frequência faria, mas isso servia também para que não me fizessem de boba, afinal, ser gente boa demais faz com que as pessoas queiram montar em suas costas. Sempre tem algum que se acha espertinho demais e às vezes você só precisa ser mais.

Me sentei por um tempo e em seguida comecei a listagem, chamando de um por um enquanto eles brincavam fingindo ser crianças do prézinho escolar. Ao chegar perto da letra M, notei alguns burburinhos e risadas começarem, mas ignorei prosseguindo porque achei que a reação era proviniente a proximidade com a hora do intervalo, afinal era de praxe que ficavassem mais agitados.

— Maria Elizabeth? — Chamei procurando com os olhos atentamente, esperando sua confirmação. Segui ouvindo risadas. — Maria Elizabeth? — Tentei novamente porque imaginei que ela poderia não ter escutado, o que era comum. — Beth doçura? — Brinquei com o  apelido que havia criado e tudo ficou em silêncio, todos os olhares se direcionaram para um lugar só.

A ela que estava debruçada na cadeira e que dormia pesadamente. Seu rosto aparentava estar cansado no início da aula, agora estava mais sereno. Havia dormido bem forte e nem ao menos havia tentado disfarçar, parecia que só tinha pegado no sono e não se preparado realmente para dormir.

Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.Onde histórias criam vida. Descubra agora