Azulzinho.

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Eu não sei se vem de Deus
Do céu ficar azul
Ou virá dos olhos teus
Essa cor que azuleja o dia...

— Aumenta esse som? — Pediu um tanto distante gostando bastante daquele batuque que tocava.

— Gostou foi? — Limpou suas mãos que estavam sujas de terra e apanhou o celular para aumentar o volume da música.

— Tá pensando que só você quem gosta de dançar, Dalila? — Começou a se balançar no ritmo da música.

— Ah é? Me mostra então. — Ergueu as sobrancelhas impressionada com o jeito que ela se movia descalça, naquele sol quente, no chão de terra em uma dança que ela conhecia muito bem.

A poeira fazia voltas ao redor do seu corpo, ela se movia para frente e para trás no batuque. Era um mix de pontos dos falangeiros do orixá Ogum que começaram a tocar do nada, sem quê, nem porquê. Lila tinha botado suas músicas de axé para cuidar das plantinhas da sua horta e essas haviam entrado no aleatório.

Acompanhava o ritmo certinho como quem já até fazia parte de um terreiro, Dalila já tinha visto aquilo, quando Ogum chegava em terra. Estava dançando do mesmo jeitinho dele quando bailava pelo salão, era impossível que não estivesse sentindo a energia do homem. Juntava suas mãos em um lado, depois para o outro, como se estivesse empurrando e afastando tudo aquilo que era de ruim, enquanto os seus pés seguiam um ritmo quase como o de samba, fazendo-a ir bem pra frente e voltando de costas no mesmo ritmo.

— Dança, Ogum! — Lumanda falou baixinho ao notar que claramente a mulher estava sentindo a irradiação do homem. Era óbvio, era claro, era exposto para quem sabia reconhecer. — Pode dançar, Ogum. — Permitiu que ele fizesse o que tinha que fazer enquanto assistia a tudo com um sorriso imenso no rosto.

A outra poderia não estar notando, afinal não o conhecia, nem sabia identificar a energia dele, nem sabia como ele agia, mas Ogum dançava como ninguém e adorava fazê-lo em seus atos de limpeza de ambiente, de limpeza dos seus filhos ou somente para mostrar para o que veio. Permitir que Ogum dançasse era permitir sua presença e sua força, era permitir sua regência, seu reinado.

Sem perceber ela percorria por absolutamente aquele espaço todinho, fazendo aquele ato principalmente na porteira enquanto sua companheira seguia a rir, incrédula, completamente incrédula com o que estava assistindo.

— Não acredito que isso está acontecendo, ela tá real irradiando na energia do homem. — Abandonou suas flores e focou toda sua atenção na moça que já tinha os solados dos pés de outra cor, sujos de areia por estar descalça.

Deixou que o aleatório corresse nos pontos dele até que o ato de limpeza, sem perceber, terminasse. E para fazer um bom completamento, as músicas da linha de guias espirituais dos malandros começaram a tocar, guias esses que também eram regidos por Ogum e que só confirmaram a crença que Lumanda tinha. Elizabeth, igualzinha a eles, começou a sambar pela terra, de olhos fechados e um sorrisão no rosto, parecia estar se divertindo demais, parecia estar em uma completa paz. 

Normalmente quem era filho de Ogum, tinha algum guia espiritual que era denominado "malandro", o que também se compravava agora não só no jeito, mas no manejo das coisas.

Os filhos do orixá eram bastante conhecidos por serem teimosos, por conterem uma fúria grande dentro de si, essa mesma que os ajudava a levantar todos os dias e os movia. Eram repletos de coragem e tinham a cabeça dura, eram sociáveis e intensos, adoram dançar, eram brincalhões e talvez até brutos. Além se tivesse a missão de trabalhar com a linha de malandros, normalmente era porque seu jeito puxava o deles, o conhecimento de mundo e o jeito de lidar com os problemas desde muito cedo. Estava bem escancarado na cara de Lumanda.

Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.Onde histórias criam vida. Descubra agora