Odocyabá.

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— Hoje não é sábado, mas eu vou te apresentar a uma orixá, além de Oxum, que também é cultuada nesse dia. — Informou, assim como fazia de costume nos vídeos que gravava e enviava para ela. — Tu conhece a sereia rainha do mar? — Tentava animá-la, ela parecia cansadinha.

Havia dormido durante toda a noite, Lumanda não. Visto que precisava cumprir a promessa de levá-la na praia, se preparou. Teve a ideia de purificar e depois energizar, um banho de água do mar e um banho nas águas da cachoeira seria uma bela combinação.

Apanhou algumas rosas brancas para entregar as águas salgadas e preparou um pequeno agrado as águas doces já que fazia tempo que não via sua mãe em natureza, isso demorou horas e quando checou no relógio já eram quatro da manhã, horário de sair de casa para pegar a praia vazia e o dia raiando.

Acordou ela, informou os planos e claro que sua companheira de aventura não iria recusar, deixou que tomasse o café em paz enquanto se trocava. Lumanda de Oxum vestiu sua roupa sagrada, como ia ver uma de suas mães, se trajou a sua altura. Colocou seus fios de conta dourados, bem como as suas jóias e pulseiras.
Só pelo olhar de Beth identificou que ela também queria algo como aquilo, forneceu, uma roupa toda branca porque era o que ela poderia usar segundo a educação que recebeu. Mesmo assim ficou linda, seus argumentos eram de quem queria ser respeitosa também e Lila jamais iria contrariá-la justamente por admirar o olhar mudado sob suas práticas.

A aluna seguia com a mochila lotada de coisas e a professora caminhava com um alguidar de barro que precisava ser levado com cuidado, conversavam sobre as mais diversas coisas relacionadas a religião, mas ao perceber que já chegavam perto por causa do cheiro das águas, decidiu apresentar a dona delas logo.

— Eu acho que não. — Admitiu sorrateira.

— Iemanjá é uma orixá que tem o domínio do mar, seu nome tem origem em "yèyé omo ejá" em iorubá que significa "mãe cujo os seus filhos são como peixes". Ela é mãe dos orixás Ogum, o senhor do ferro, Oxóssi que é o caçador dono da mata e Iansã a dona das tempestades e ventanias. — Inicou surpreendendo-a porque sim, ela sabia quem era. Havia perguntado a Lumanda certa vez sobre o nome em específico e ela disse que era para que guardasse suas ansiedades, no tempo certo iria respondê-la. O tempo certo havia chegado. — Existem vários jeitos de saudá-la, "odoyá", "odocyabá", "odocyá", que em suma significa "senhora das águas". Na realidade, Iemanjá não tem somente posse das águas salgadas. Ela é rio que deságua no mar, tanto é que sua cor é o azul claro, azul coral.

— Ela quem é a protetora dos navegantes? — Questionou apertando as alças da mochila.

— É sim. — Concordou meio insegura. — Na igreja católica tem uma santa para isso, as pessoas costumam dizer que ela é Iemanjá. Eu não concordo com isso, gosto de pensá-la enquanto uma mulher negra, de pele retinta, africana. "Nossa Senhora dos Navegantes" é outra totalmente diferente. — Situou a fim de deixar claro que ela também estava envolvida nos dilemas de sincretismo. — Se recorda da história de Esú que eu te contei? Onde ele foi mal interpretado por causa que no seu lugar de origem estava com um membro para fora e ele tinha seu devido significado, diferente do nosso? — Ela assentiu com veemência. — Bom, Iemanjá é retratada com uma mulher fora dos padrões. Ela não é magra e tem os seios grandes, esses que normalmente estão expostos porque lá em África remetem mais ao maternar. Ela é uma mulher de muitos filhos, retratada com os seios nus justamente para que vejam o quanto são fartos e quanto pode ceder ao mundo filhos saudáveis e fortes, afinal um bebê se alimenta primeiramente do leite materno. Tentam podá-la de qualquer maneira aqui no Brasil, mudam sua cor para uma de pele branca, cobrem seus seios, diminuem seu peso...

— Novamente demonizaram ela, não foi? Porque tudo tem que ficar palpável a nossa cultura até mesmo o que não é da nossa cultura. — Bufou irritadiça e fez a outra rir.

Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.Onde histórias criam vida. Descubra agora