Zifia.

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A visão turva foi começando a ganhar forma aos pouquinhos e o seu corpo foi voltando os sentidos da mesma maneira.

Estava sentada no cantinho da parede do seu quarto, como tinha costume de fazer quando queria se esconder do universo que lhe bombardeava assim que descobria que estava acordada.

Estava tudo enevoado e a meia luz, o que era estranho demais para si. A fumaça passava pelos seus olhos e o cheiro por suas narinas, apesar de toda a sua vivência traumatizante com os cigarros da sua mãe, o cheiro daquele fumo não lhe incomodou, parecia mais ervas queimadas com café.

Não.

Talvez o cheiro de café não fizesse parte da fumaça. É, ele era a parte, o cheirinho de café recém passado com bolo que acaba de sair do forno, gostoso e fez seu estômago roncar. Ouvia junto uns cochichos, bem baixinhos.

Estava zonza, sua cabeça parecia meio pesada e só então percebeu que encarava o chão, esticou as pernas devagarzinho e ergueu o rosto para a frente, onde a luz amarela vinha. E então achou o motivo de tudo.

Havia um quase altar em cima de uma mesa encostada na parede, três velas estavam acesas. Uma no meio inteiramente branca, uma bicolor branca com preto e outra azul clarinho, as três com as chamas altas e fixas.

Em cima da mesinha tinha um cachimbo que fumaçava, uma garrafa térmica simples, duas xícaras de louça e um pratinho com fatias de bolo que pareciam muito apetitosas.

O mais importante era a senhora que Elizabeth nunca tinha visto na vida. Ela era preta retinta, sua pele marcada pela idade, trajava um vestido todo branco e usava um lencinho branco também que cobriam os seus cabelos sem pigmentação. Estava descalça, seus pés estavam rachados e ela não era muito magra. Ajoelhada no chão apoiava seus cotovelos no assento da cadeira de madeira e com um rosário seguia a proferir sua reza, bem baixinho, de olhos fechados.

Era belo e não assustou a menina mais nova, na verdade seu coração foi preenchido de carinho.

A viu abrir os olhos e com muita dificuldade em meio aos seus tremores, se colocou de pé, curvada por causa das costas, sentou-se no banquinho.

— Ôi minhas costas. — Resmungou colocando a mão trêmula ali e respirando fundo. — Como doem.

Reconheceu a voz, quanto tempo não a escutava. Era a vó. A figura martenal que havia tido pouquíssimas chances de conversar durante seus sonhos, ela vinha quando a situação estava muito crítica e dolorosa. Ensinava sobre caridade, humildade, paciência, sabedoria e persistência.

Em nenhuma das vezes Elizabeth tinha chance de vê-la, sempre era dos seus pés para baixo, porém hoje estava sendo agraciada pelo belo presente. Vovó era tão adorável quanto imaginava que fosse.

— Ô vó! — Dela não tinha medo, jamais reclamaria da presença ou questionaria o motivo porquê veio. Não a bombardeava como fazia com a Dalila dos sonhos, apenas curtia a sua presença porque sabia que aquele tempo era sagrado.

Não era sua vó carnal, estava longe de ser. Mas atribuiu carinhosamente esse nome a ela, porque a senhora nunca revelava e parecia gostar bastante de ser chamada daquela maneira. Apesar do seu jeito simples e às vezes bruto, ela sim era um doce de pessoa.

Ela sim, era quem representava todo amor maternal que Elizabeth deveria ter recebido desde pequena. A mulher adorava quando ela vinha porque somente dessa forma podia desfrutar de pequenas amostras de como é ser cuidada por alguém mais velho, de como é ter um abraço de vó ou de como era receber um conselho de alguém que realmente se importa com você.

Colocou-se de pé, encarou suas roupas em estranhamento, eram brancas, uma calça e uma blusa de algodão. Não ligou. Correu até ela se jogando aos seus pés ajoelhada e repousando sua cabeça no colo da idosa, enquanto ela ria adoravelmente daquela carência e fazia carinho nos cachos loiros de Elizabeth.

Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.Onde histórias criam vida. Descubra agora