O que estava debaixo dos tapetes.

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Eu tinha abusado do meu contato com ela ser apenas em sala, desde que nos encontramos no bar, eu e Dalila não conversamos muito. Ela parecia andar bastante ocupada com suas obrigações e eu ainda mais cansada pela demanda de trabalho.

Meu sentimento de querer aproximação prosseguia. Ainda sim, mesmo querendo estar perto, estava tão distante de mim que voltava a sucumbir nas minhas preocupações e não tinha tempo nem pra pensar nisso pois era tomada pelo cansaço, e só dormia quando qualquer brecha era me dada. Isso fazia com que a tristeza e a angústia tomassem posse do meu corpo, e eu vivesse nisso 100% do meu tempo.

Mesmo sem tempo de olhar o que acontecia no mundo dos famosos, mesmo sem saber o que ia rolar dentro da faculdade, mesmo sem estar por dentro das guerras que aconteciam no mundo ou das notícias novas, mesmo sem saber o que passava na televisão, mesmo estando tão perdida em minha própria cabeça e nas lamúrias de reclamação que sempre voltavam e me faziam ficar completamente desconexa da realidade, ainda sim, parece que a cor voltou por um segundo porque Dalila estava impecável naquele dia.

Havia parado no meio de todo mundo e estava com o óculos repousado quase na ponta do nariz enquanto digitava no celular. Ela realmente havia assumido seus fios brancos, que não deixavam seu cabelo totalmente naquela tonalidade, eram alguns muitos aqui ou ali entre seus cachos volumosos e sem tanta definição, era um cabelo 2ABC, havia curvatura diferente.

Além de eu ver uma aura roxa nela, a cor roxa realmente lhe caia muito bem. Trajava uma saia longa num tom de roxo bem pigmentado, usava uma blusa sem mangas branca e ela deixava amostra sua tatuagem de coruja que tomava seu bíceps inteiro, bem como mostrava as outras tatuagens que tinha pelos braços e que despertavam a curiosidade de descobrir se haviam mais pelo restante do corpo. 

A prata brilhava demais em sua pele, combinava bastante consigo e ela parecia saber disso porque a esbanjava em seu piercing do nariz que seguia atraindo demais a minha atenção, nos três brincos de argola que usava na orelha, no bracelete e nos anéis que tomavam três dedos de cada mão.

A professora passava bem aquela vibe de mulher mística, que gosta de cristais naturais, de coisas de barro e feitas artesanalmente, de incensos, plantas e gatos. Muitos diriam que eu estou descrevendo uma bruxa, mas acredito que ela seja mesmo uma, não no sentido pejorativo que esse nome foi adquirindo com o tempo. Dalila realmente parecia ser uma bruxa, que sabia bastante de propriedades naturais, simpatias e chás de ervas, banhos de folhas, que sabia benzer e cuidar da alma. Dalila transpassava algo muito ancião, assim como sua beleza madura.

Eram absurdas as várias vezes que me perdia nela por causa de pensamentos assim e isso pelo visto pareceu lhe atrair porque após se sentar ao liberar todos para o intervalo, seu olhar parou em mim. Talvez fosse preocupação, eu rezava para que fosse preocupação pelo meu cansaço e não porque ela havia percebido que eu estava totalmente boba assistindo-a. 

— A Terra está te chamando de volta, doçura. — Pronunciou sorridente enfrentando o contato visual que eu meio que fazia. Não tinha percebido, só quando voltei a consciência.

— Perdão. — Me rendi uma risada sem graça e tapei meu rosto. — É que você tá brilhando, literalmente brilhando. 

— Não me diga que são meus cabelos brancos eu já escutei comentários ruins demais sobre eles esses dias. — Jogou-os para o lado e quase fez meu coração infartar. Eu realmente poderia ir derretendo e escorregando naquela cadeira até chegar no chão.

— Acho que você ficou absurdamente linda assim natural. — Respondi em sinceridade, mas o ânimo não permeava meu corpo. Dava pra ver que o que eu falava era verdade, era o que bastava. — É um ato de coragem assumi-los sabendo que a sociedade irá fazer comentários desnecessários sobre eles porque os cabelos brancos foram esteticamente ligados a idade e velhice, mas também existem as causas genéticas que os tranformam assim.

Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.Onde histórias criam vida. Descubra agora