Lugar secreto.

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— Muito obrigada por aceitar o meu ilustre convite, de uma programação diferente no intervalo, que é comer no meu carro. — Lila sorriu dócilmente, permitindo-se ser mais despojada.

— A senhora, mais uma vez, não me deu escolha. — Brinquei entre risos.

— Senhorita. — Me corrigiu de imediato. — Sou uma moça solteira, portanto o termo correto para o meu caso é "senhorita".

— Ah sim, senhorita. — Mostrei que havia entendido. O coração chega pulou em uma falsa esperança de que eu tinha uma chance a mais com ela.

— Toma. — Me ofereceu uma garrafa da mesma bebida que ela comprou. Eu deveria ter desconfiado porque estava comprando itens iguais e sempre procurava a minha aprovação com relação a eles.

— Não quero, professora, obrigada. — Neguei por educação, ainda acuada no seu carro.

— Você pode me chamar de Dalila e eu acho melhor você aceitar. — Ofereceu mais uma vez, colocando em meu colo e me dando também um pacote de bolachas recheadas.

— Tudo bem, obrigada. — Concordei com a cabeça mais uma vez, sentindo as bochechas esquentarem. — Você não tá cuidando de mim só porque eu desabafei contigo, não é? — Semicerrei meus olhos, ficando desconfortável. Eu não queria que ela tomasse essa responsabilidade para si, afinal, ela não era nada minha e eu já sou uma mulher adulta. — Está sim. — Conclui encarando-a.

— Não fale como se eu estivesse colocando você para dormir, trocando suas vestes, te dando comida na boca ou coisa do tipo. — Me corrigiu . — Eu cuido das minhas companhias assim. É algo meu.

— Certo. — Aceitei sua justificativa e então abri a garrafa com um capuccino de chocolate com café.

— O meu tem canela. — Fez uma expressão de desgosto. — Acho que peguei errado, estava nervosa e nem li os rótulos. — Confessou e percebemos ao mesmo tempo uma leve diferença nas garrafas de bebida.

— Vamos trocar então, eu gosto de canela. — Justifiquei meu ato para que ela não insistisse e assim trocamos as garrafinhas. — Deve ser bem ruim passar por isso, não é? Até eu fiquei desconfortável.

— É péssimo, na verdade. — Bebeu um gole do capuccino com chocolate agora mantendo uma expressão de agrado.

— Eu nem imagino como deve ser passar por isso. — Fui sincera, porque realmente não fazia ideia pois sabia que o que eu presenciei não é um terço daquilo que ela já havia passado. — Há pouquíssimo meses atrás, era eu quem não podia ouvir a palavra "macumba" sem pedir para que isso fosse repreendido no nome de Jesus Cristo. — Consegui fazê-la rir, mas não entendi muito bem o humor.

— Não que eu já sabia disso, mas eu já sabia. — Comentou sua típica frase me fazendo rir.

— Eu deixava muito aparente? — Me surpreendi porque meu preconceito, na minha visão, não era escancarado.

— A gente sabe, Beth. A gente sabe o tom das coisas. — Deu de ombros arrumando o pano de cabeça. — Eu via seus olhares de medo lá na minha casa de axé e também o seu comportamento de quem não estava habituada naquele meio.

— Como você pesca isso? — Cruzei os braços.

— Porque nós temos uma série de hábitos que seguimos e quando aparece alguém que destoa disso ou é falta de rumbê ou é a não habituação com aquele ambiente. — Justificou tranquilamente e deu mais um nó na minha cabeça.

— É falta do quê? — Expressei minha confusão com o cenho franzido e a fiz gargalhar.

— Falta de rumbê. — Repetiu e eu potencializei minha expressão de não entendimento. — A palavra "rumbê" significa educação de axé, porque o candomblé e a umbanda são também modos de viver, e o rumbê são as regras de boa convivência. — Justificou-se querendo desfazer meu nó. — Nós temos costumes que são ensinados portanto uma pessoa que é do meio e não os faz, provavelmente não recebeu o rumbê necessário.

Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.Onde histórias criam vida. Descubra agora