Sexta de Oxalá.

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Eu já tinha alguns bons anos de experiência enquanto professora, mas nenhum curso foi suficiente para me preparar para o que eu poderia enfrentar hoje. Talvez fosse só nervosismo meu, talvez não. Estava sendo a primeira vez que precisaria passar por isso, minhas sextas-feiras eram inegociáveis sem trabalho, porém dessa vez não tive escapatória.

Apanhei meus pertences e abandonei meu carro, antes de entrar na instituição precisei respirar fundo. Liguei uma personalidade tranquila e serena, adotei o sorriso breve no rosto e precisei fingir que aquilo era normal. Caso eu seguisse assim durante a noite, meus alunos também compreenderiam que era, acho que com a minha falsa sensação de tranquilidade, tivessem que aceitar calados.

Apesar de que eles não precisavam aceitar nada, eu não escondia minha religião de ninguém, mas absolutamente ninguém fica animado para receber preconceito e palavras de intolerância. Eu gostava muito dos alunos dessa sala em específico, mas os conhecia suficientemente bem para entender que religiões de matriz africana eram um terreno instável entre eles.

Dei meu sagrado boa noite ao seu Zé, o porteiro. Em seguida me direcionei até a sala já notando alguns olhares atravessados. Não que estivesse escrachado que eu estava inteiramente vestida de branco por causa da minha religião, mas existe algo nos intolerantes que funciona quase como um radar, eles sabem, não sei como, mas eles sabem. Isso quando não pesquisam as informações apenas para distorcê-las e usá-las de maneira totalmente ignorante.

Me preparei mais uma vez para adentrar na sala sabendo que estava dez minutos atrasada e que minha entrada não seria nada disfarçada.

Fiz o que tinha que ser feito e fingi normalidade com o silêncio, dando meu boa noite a eles em ânimo, assim como fazia todas as noites. Em meio a todos olhares, um me pescou, as orbes azuis de Elizabeth que percorreram meu corpo de baixo para cima com um sorriso de canto bem tímido. Ela pode ter disfarçado minutos depois, mas eu havia sido mais rápida.

— Então pessoal... — Iniciei me posicionando no meio da sala. — Fico feliz de olhar para esse cômodo e ver uma quantidade muito boa presente aqui. — Confessei colocando as mãos na cintura. — Fiz de tudo para que essa aula não fosse mudada para hoje, assim como todos vocês, eu também não queria estar presente. — Fui sarcástica e precisei ser sincera, porque minha infelicidade também se demonstrava em minha expressão. Gostava de ficar recolhida em minha casa, curtindo meu silêncio e o mundo silenciado por mim obrigatoriamente. — Mas como precisamos, peço a colaboração de todos porque assim eu termino rapidamente o assunto, deixo a atividade para vocês desenvolverem com uns minutinhos, todos são liberados cedo e todos ficam felizes. Combinado assim?

É óbvio que não teria um para reclamar, a primeira contraposição que recebi era que sexta era dia de sextou, que no final terminariam em um bar. Portanto, como a boa professora que sou, resolvi adiantar e facilitar a vida deles, consequentemente a minha também.

Após explicar o assunto, me sentei para dar sequência as minhas correções de atividade e acabei me deixando distrair pela conversa que estava acontecendo, bem baixinho, mas meus ouvidos alcançaram os burburinhos. Segui fazendo a linha sonsa, óbvio, mexia nas teclas, olhava a tela, mas  mantinha a escuta bem atenta.

— A professora é muito bonita, né? — Comentou em meio ao assunto. — Tem que tomar cuidado, ela é macumbeira. — Surgiu de uma moça que era tímida, mas eu já havia percebido seus posicionamentos ideológicos, ela fazia questão de mostrá-los conservadores para mim.

Nesse momento, Lumbiá se encolheu na cadeira, cruzando seus braços. Somente então percebi nossa semelhança, ao invés de ela estar usando branco como eu, havia adotado tons mais claros em toda a roupa. Também não usava o pano de cabeça, havia feito um coque com suas tranças, eu estava mais escrachada, ela mais disfarçada, mas ambas com o mesmo propósito. Estávamos de preceito em respeito a Oxalá.

Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.Onde histórias criam vida. Descubra agora