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TOM's POV

—Olha para mim... — O enfermeiro baixinho com uma barbicha esquisita embaixo do queixo pede segurando a lanterna clínica bem na frente dos meus olhos. — É, nada de lesão cerebral. — Ele desliga a luz e a guarda dentro do bolso de sua camisa hospitalar.

Respiro fundo e olho para a bandeja cheia de utensílios médicos ao meu lado. Engulo seco quando vejo a agulha enorme de pelo menos 8 centímetros jogada ali.

—Vai usar isso em mim? — Pergunto apontando para o objeto.

O rapaz baixinho se vira para entender do que estou falando, e então com uma risada fraca, ele me olha novamente.

—Estou andando com essa seringa pelo hospital já faz horas. Meu pager apitou dizendo que alguém precisava disso urgentemente... — Ele dá de ombros e se livra das luvas de látex que estava usando. — Mas até agora não sei para quem devo entregar.

Assinto de leve com a cabeça e sorrio fraco. Estamos em uma sala de triagem, uma das paredes é todinha de vidro, tenho a imagem de dezenas de pessoas correndo de um lado para o outro, e médicos passando apressados pelos corredores, isso me traz a sensação de que esse lugar nunca pode se dar ao luxo de um descanso.

—Talvez eles não tenham tido tempo de biparem de volta. — Afirmo, ainda olhando para além do vidro.

O rapaz balança os ombros e passa a mão por sob os pelos da barba.

—Talvez tenha sido a Dra. Cales, mas não tenho certeza. — Ele suspira e caminha até uma mesa baixa encostada na parede.

Doutora Cales? Esse nome parece tão familiar.

—Quem é essa? — Pergunto me ajeitando sobre a maca de exames.

O rapaz puxa uma gaveta e tira um tubo de álcool em gel dali.

—É a chefe da pediatria.

Ele deposita um pouco do produto nas mãos e as esfrega uma na outra. Observo com atenção enquanto tento me lembrar de onde escutei esse nome. Sei que não tive nenhum problema muito grave decorrente do acidente, mas sinto que o susto que tomei embaralhou meus sentidos e me deixou meio confuso. Minha cabeça não está cem por cento boa.

—Ela é ótima, cuida de casos de crianças do país todo. — Ele suspira e se recosta na mesa. — Soube que ela estava em Munich, mas veio às pressas quando foi comunicada que um paciente daqui estava precisando de cirurgia.

Não respondo, porque ainda sinto que estou deixando alguma informação passar, preciso me lembrar de onde conheço esse nome... ah, porra. Não consigo nem me lembrar do que comi ontem. Não sei nem se comi ontem.

Viro minha cabeça rapidamente quando ouço um toque no vidro da sala.

—Tom? — Bill aparece na porta com um sorriso triste no rosto. — Os pais da Mat estão aqui.

Eu congelo.

Fecho os olhos com força e tento não me sentir apavorado. Nos vimos faz apenas dois dias, mas as circunstâncias eram tão diferentes das que nos encontramos agora. Pode ser que eles nem queiram me ver. E se eles pensarem que foi culpa minha? Merda... talvez seja mesmo culpa minha, eu poderia ter caminhado com Matilda do outro lado da rua, ou poderia tê-la puxado para a grama quando ouvi o som dos carros, poderia ter virado nossos corpos, e assim, eu estaria naquela cama de hospital, e não ela. Mas foi tudo tão rápido, e eu fiquei tão assustado... me sinto um imbecil agora.

—Eles não vão querer me ver. — Afirmo.

Não sei quando isso aconteceu, mas o enfermeiro com quem eu estava conversando não está mais aqui. Agora é Bill quem está parado na minha frente, me olhando com aqueles olhos escuros e penosos.

—Mas eles querem ver a Matilda, e você precisa estar lá. — Ele descansa uma mão em um dos meus ombros e força um sorriso. — Eles permitiram visitas apenas de parentes ou amigos próximos. Três de cada vez. Conversei com os meninos, nós vamos mais tarde. Mas você tem que ir... com eles.

Respiro fundo e sinto uma queimação subir por meu esôfago.

—Eu acho que não consigo. — Digo em um sussurro para meu gêmeo. — Eles devem pensar que a culpa foi...

Bill soca meu ombro com força antes que eu termine de falar.

—Ai, caralho. — Exclamo pondo a mão onde dói.

—Não se atreva a terminar essa frase. Você sabe que não foi culpa sua, e os pais dela também sabem. —Bill diz irritado. — Meu Deus, as vezes sai tanta merda da sua boca.

Comprimo os lábios.

—Me desculpa. — Digo sem graça.

Ele assente e passa ambas as mãos sobre os cabelos compridos e pretos.

—Tudo bem... eu só quero que você vá vê-la. — Ele diz se aproximando outra vez. — Ela ia querer isso, Tom. Você sabe disso. — Ele engole em seco. — Você quer isso.

Olho fixamente para seus olhos e sinto vontade de chorar quando vejo lágrimas ali.

—Eu sei. — Digo, enfim.

Ele deixa uma lágrima escorrer quando me puxa para um abraço.

—Ela vai ficar bem... — Ele murmura e agarra meu tronco com força. — Ela vai sair dessa.

Sinto que essas palavras foram ditas mais para ele mesmo, do que para mim. Me enrijeço quando lembro do beijo, mas logo me castigo mentalmente por isso e cedo ao abraço. Ele a ama. Mas sei que não é o mesmo tipo de amor que eu sinto. Ela o ama. Mas sei que ela não sente por ele o que sente por mim. Me sinto mal porque com todo o alvoroço, acabei me esquecendo de que todos nós sempre fomos grandes amigos. E todos nos amamos... e todos amamos Matilda.

—Eu nem tive tempo de dizer a ela... nós não tivemos tempo o suficiente. — Sussurro de forma abafada contra o ombro de meu irmão.

Sinto sua respiração pesada.

—Então vai dizer a ela... — Ele diz baixinho perto de meu ouvido. — Porque esse não é o fim da história de vocês.

training wheels - Tom KaulitzOnde histórias criam vida. Descubra agora