Capítulo 60 - Correntes

17 4 2
                                    

Ketlyn

Apoio o cano frio de metal na testa de Nick.

— Me responde — ordeno.

Eu fugi não faz muito tempo, mas o loiro oxigenado, infelizmente, não é tão lerdo e logo vai notar minha falta. Então, não tenho muito tempo.

— Eu já disse, Ketlyn. Não sei quem foi! — diz, me olhando com raiva.

As íris verdes estavam embaçadas em lágrimas; sua visão procurava por segurança em algum lugar. Mas não havia. Ele estava amarrado à maldita cadeira de couro e eu garanti que ninguém me interrompesse para ajudá-lo.

— Minha paciência se tornou mais curta do que você imagina, então trocar esse seu cérebro de ervilha por uma bala não vai ser difícil — expliquei, com um sorriso cínico.

Ele remexeu as mãos impacientes entre nós, e era possível ver suor descendo por sua testa.

— Ketlyn, eu não estou brincando com você. Não faço ideia de quem incendiou sua casa — explicou de forma calma.

  Por favor, será que não dá pra assumir? Eu sou um risco e tanto para ele, é óbvio que se livrar de mim seria ótimo.

  Se eu quisesse, poderia tomar tudo dele para mim, mas, não quero.

— Ah, e quem mais poderia ser, além da "família" maravilhosa que me ama?! — ironizo, me sentando em cima da mesa do escritório.

Nick estava no canto da sala completamente imobilizado. Os seguranças estavam todos fora da casa, cuidando dos arredores, e se, por pura loucura, Nick resolver gritar, eu irei fazer com que seja o último grito de sua vida.

— Eu não fiz nada — afirmou com convicção — Mas, se você acha que é a vítima aqui, está muito enganada.

Revirei os olhos com a constatação sobre sua atual situação.

— E agora você consegue sentir como é estar na minha pele? — ironizo.

Sua expressão se tornou séria e seu cenho se franziu, como se estivesse confuso.

— Não estou me referindo ao fato de estar amarrado com uma arma apontada para minha testa. Às vezes você consegue ser tão egocêntrica quanto ele era — disse, com uma voz carregada de amargura.

Senti a raiva subir um pouco mais com a comparação ridícula, que, com certeza, ele fez para me provocar.

— Eu saí de uma família onde eu era invisível, e continuo sendo, para procurar a porra de uma vida digna. Ter um cachorro, uma vida social e um emprego minimamente normal — digo, com raiva extravasando nos olhos — Não importava se fosse como atendente de supermercado ou até garota de programa. Mas eu só queria sumir desse lugar, fingir que nada nunca aconteceu e que o sangue Hamilton nunca correu por minhas veias.

Ele me olhava com calma, como se estudasse o que eu dizia.

— O acordo era esse: pegar o apartamento em Boston que é meu por direito e fingir que nunca existi. Mas, não! Eu cumpri minha parte, mas vocês não podem me deixar viver em paz!? — digo.

O olhar de Nick, de repente vazio, me alcançou.

— Para você é assim, né? Mais simples jogar a culpa no meio-irmão que roubou seu lugar. Você queria ser vista como eu era, queria ter um pouco da atenção que eu tinha — dizia, com um sorriso frouxo se desfazendo — Você prefere acreditar que fui eu, relaciona todos os problemas da sua vida ao seu passado, ao nosso pai. Mas ele se foi, então, resta culpar o filho dele. O filho que ele assumiu e cuidou.

Uma lágrima escorreu por sua bochecha, mas eu permanecia rígida, sentada na mesa.

— Você é quem ele queria desde o começo. Quando eu era criança, queria ter um pouco da atenção que você recebia, mas percebi que era inútil tentar me inserir em uma família da qual fui expulsa antes mesmo de nascer — falo, dando de ombros como se não me importasse.

Desci da mesa e apanhei uma das garrafas de uísque que ficavam na parede, destampei a garrafa e abri uma das gavetas de documentos, derramando o líquido escuro na mesma.

O cheiro forte de álcool subiu instantaneamente, mas era incrivelmente satisfatório estragar um pouquinho do que ele amava.

— Amber, você não é a única feita de palhaça nesse lugar — disse, em uma risada engasgada pelos soluços que o ameaçavam.

Amber.

Nick não conseguia falar meu nome quando era criança, então me chamava apenas de Amber.

Eu não gostava, queria que ele falasse meu primeiro nome como todos. Mas ele sempre insistiu nisso, mesmo após conseguir pronunciar meu primeiro nome corretamente.

— Eu não sou palhaça, sou uma completa fodida. Afinal, não tenho uma vida estável, não tenho amigos, sem emprego, sem casa, recebendo ameaças malucas e sou presa a um passado ridículo que insiste em me puxar. Devo ter jogado pedra na cruz, ou um míssil no Vaticano, na minha vida passada — constatei, enquanto procurava por algo nas estantes.

— Bom, irmãzinha, somos dois fodidos. Eu não tenho uma vida que eu possa controlar, não tenho amigos e sem um trabalho ou qualquer coisa que ocupe minha mente. A casa, estou preso neste inferno até que Charles decida, e meu passado são correntes com nós muito mais apertados que os da sua corda — falou, olhando para um canto qualquer daquele cômodo escuro e frio.

Charles? Esse é o advogado da família. O mesmo que me despachou para a minha casa, atualmente carbonizada.

— Como assim preso? — questionei, mas era impossível disfarçar minha curiosidade na pergunta.

— O advogado pegou tudo. A casa, o dinheiro e as posses estão todas com ele. E estou preso aqui até que arrume uma desculpa decente para dar às pessoas e me apagar da família — confessou, com um sorriso torto e olhos marejados.

O advogado pegou tudo? Então, Nick não tem nada.

Mas como?! Ele não pode ser tão lesado assim, né? Afinal, acho que todo mundo entende sobre a lógica básica de como funciona uma herança.

— Mas...

— É simples, a herdeira é você, a única que pode tomar tudo dele. Mas você obviamente está desinteressada nisso, então o caminho para que ele fique com tudo é liberado, já que não há outro herdeiro — explicou, cortando a pergunta que eu iria fazer.

Não há.

As palavras ecoam em minha mente, como peças de um quebra-cabeça confuso tentando se resolver.

— É exatamente o que pensou, minha mãe não era tão ruim quanto pensa, mas era bem infiel — assumiu, com lágrimas descendo por seus olhos.

Nick Evans Hamilton não é filho de Nickolas Hamilton.

Jamais foi.

Meu coração tropeça de surpresa por uns instantes.

— Eu já passei por muito mais do que você pensa, mas a questão não é essa. Charles sabe disso, e essa é a forma com que tem acesso a tudo que era, por justa causa, seu. No entanto, você nem mesmo liga, atearia fogo em tudo sem pensar duas vezes. Logo, não é uma preocupação para ele. E sei muito bem que não foi ele quem pôs fogo no seu prédio — concluiu.

Revenge Onde histórias criam vida. Descubra agora