Capítulo 31 - Cemitério

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Stalkear

  O silêncio me tritura, quando o mundo se cala, meu interior desperta. Posso ouvir todos os meus gritos de socorro romperem junto de meus batimentos fortes. 

  As várias lápides cinzas, o vento frio, o cair da noite e a certeza de que nada vai mudar.

  A sensação de estar acorrentado ao passado. E de necessitar de adrenalina como se fosse água, para suprir a carência deste espaço vazio que o passado deixou em mim.

  É como insistir em algo que eu sei que não volta mais, em algo que eu nunca vou ter.  Algo que nunca vou recuperar, por mais que tente, não há nada que possa fazer. Um barulho faz meus instintos despertarem me tirando de meio dos meus pensamentos.

   Olho para trás vendo ao longe uma garota caminhando torta, usando uma calça preta e um moletom cinza. Com as mãos na cabeça retira a touca exibindo uma cascata de cabelos pretos.

   É ela.

  Me aproximo, permanecendo longe para não ser notado. Ela passa por mim indo em direção a uma lápide e simplesmente desmorona no chão, escondendo seu rosto em suas mãos. 

    Ela não está bem. Dói em meus ossos ver ela assim. Sentada ao lado da pequena árvore que eu conhecia muito bem. Escondida por um dos estranhos labirintos de cerca viva deste cemitério.

     Me dirigi suavemente até atrás de uma dessas cercas vivas, abaixo a fim de entender o que está acontecendo.

     Posso ouvir soluços, um choro. Um choro desesperado. 

   — Eu não aguento mais — dizia em forma de súplica — Eu não tenho paz, tudo o que eu queria era poder viver como alguém normal, era ter uma vida memorável.

    Suas palavras cortavam o resquício de coração que eu tinha.

  — Eu não quero mais fazer isso mãe, eu tentei me livrar de um problema e arranjei um maior ainda — sua voz era chorosa e falhava em meio a soluços — Serei sempre invisível para o mundo, sempre uma sombra suja que ninguém conhece, apenas mais um ser desprezível que o mundo não vai sentir falta quando partir.

    As palavras fugiam feito uma confissão das mais secretas. Ela não dizia mais nada, mas era possível ouvir seu choro desesperado, parecia uma criança perdida. 

    Meu coração apertava e tudo em mim vacilava, eu não podia ficar aqui parado. Enquanto ela simplesmente estava praticamente passando mal de chorar.

   — Eu também me sinto assim. — As palavras me escaparam sem querer percebesse.

    Seu choro cessou.

  — Quem está aí? — Sua respiração era alta o bastante para que ouvisse.

  — Não se assuste, eu estava aqui, mas te escutei. — fiz uma pausa para respirar e buscar forças onde não existem — Não queria te incomodar, mas você realmente não parece bem.

   Ainda era possível ouvir seus soluços como o de um bebê que implorava por atenção.

   — Não incomodou — sua voz pareceu mais suave, e isso me tranquilizou — Você disse que. 

  — Que te entendo. — Corto sua fala, completando o que ia dizer.

   Olho para a lápide cinza, que há muito tempo não via.

  — Me sinto invisível, tapado por uma imagem que não sou eu. — Confesso, me levantando.

   Olho por cima da baixa cerca viva, vendo a mulher encolhida de frente a lápide, do que pode ser sua mãe. Eu não sabia quem era sua mãe, apenas que havia falecido.

  Me sento novamente para que não me vejam.

  — É como ter uma máscara presa em meu rosto o tempo todo, com essa máscara eu sou uma pessoa. E quando eu tiro, sou outra pessoa completamente diferente — As palavras flutuam pelo ar, de sua boca até meus ouvidos — Um exemplo simples, você está conversando comigo, está tentando me consolar. Mas se soubesse um terço do que já fiz, você iria preferir que eu estivesse debaixo da terra.

    Sua voz não carregava mais a tristeza de antes, mas agora uma angústia, uma raiva silenciosa em meio a confissão.

  — Eu não te quero debaixo da terra — disse calmamente em um sopro suave da minha voz — Se os outros me conhecessem, eu também estaria debaixo da terra. Mas por mais que algum dia eles descubram, jamais vão entender o porquê de tudo que já fiz.

    A grama fez barulho, revelando que havia se levantado.

  — Acho que na realidade, escondemos nossos erros dos outros porque os outros nunca vão entender o nosso lado — disse com  sua voz profunda e suave feito  chantilly — Eu também não quero você debaixo da terra, por isso vou embora. Assim você não vai me conhecer para julgar meus erros, e eu também não vou te conhecer. Obrigada por conversar comigo.

   E então a mulher desesperada que eu vi chegando agora saiu suavemente.

  Ketlyn, você não sabe, mas eu te conheço. Não sei de seus erros, mas por mim você pode incendiar o mundo inteiro e eu jamais te culparia ou mandaria para debaixo da terra por isso.

   Encaro a grama molhada na qual agora estou sentado, fitando meus pés. A noite já chegou quase por completo, alertando minha hora de ir.

   Desmancho o sorriso leve e bobo perdido em meu rosto.

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