Capítulo 44

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Assim que Penelape saiu pela porta, Rin disparou pelo corredor em direção a biblioteca. Os saltos de seus sapatos estalando no chão frio na casa de Sune. Os relâmpagos da tempestade brilhando através das janelas.

Assim que abriu as portas duplas de madeira, sentiu o cheiro de sangue. Mas não era igual ao dos humanos. Só de senti-lo sabia que ao provar poderia deixá-la entorpecida, seria um gosto totalmente viciante em sua língua.

Suas presas pareciam formigar conforme ela se embrenhava pelas estantes lotadas de livros. Precisou de todo o alto controle dentro de si para não pular em Mavie quando a viu de pé de costas para ela.

Mavie estava com as mãos apoiadas na mesa, o sangue escorrendo de seu braço, empoçando no piso, mas ela não parecia se importar. De suas costas despontavam asas com penas tão escuras e afiadas que o toque mais suave poderia contar as pontas de seus dedos. Ela estava tão imovel, que mesmo Rin tendo uma visão excelente não conseguia ver o tremular de sua respiração.

– Mavie?

– Vai embora. – A voz de Mavie parecia muito com a de um animal. O problema era que Rin estava acostumada a lidar com pessoas assim.

– Não.

– Vai embora, Rin! – Rugiu. O farfalhar de suas asas fez as mechas escuras dos cabelos de Rin chicotear suas bochechas quando Mavie se virou para ela.

Rin não saberia dizer se foi o movimento, a voz demoníaca ou a imagem transformada de Mavie, mas se a outra queria impor medo, fazê-la recuar, precisaria muito mais que isso.

Os olhos de Mavie estavam completamente pálidos. Rin nunca havia percebido que poderiam existir vários tons de branco até olhar para aqueles olhos. Os seus, salpicados por vários tons de vermelho, conseguiam ver além do que Mavie deixava transparecer. Por baixo de toda aquela fúria animalesca, estava a dor na forma mais pura.

Elas não estavam próximas, muito pelo contrário, Mavie ainda estava perto da mesa, e Rin ainda estava entre as duas estantes. Mas de alguma forma os sentimentos da outra conseguiam sufocar Rin, afogá-la. Em todos aqueles anos nunca havia visto Mavie tão desolada quanto ali, em sua forma demoníaca. Era como se Rin finalmente estivesse vendo aquilo que a outra tentava tanto esconder por baixo de sua forma humana.

As asas, os dentes tão afiados quanto os dela, as garras pretas e cortantes como as de um corvo, sua pele mais pálida do que a de um vampiro recém transformado, estava coberta por cicatrizes feias como se tivesse sido atacada pelos próprios corvos.

– Não vou embora.

– Não estou para conversa. – Mostrou os dentes. Caso Rin fizesse um movimento brusco, ela atacaria sem piedade.

– Ótimo, se quiser descontar a sua raiva, fique à vontade. – Ela abriu os braços a desafiando – Mas não vou deixar que faça alguma merda essa noite.

– Como você...?

– Como eu sei? – Rin levantou uma sobrancelha, lendo a pergunta não finalizada no rosto de Mavie – Ouvidos vampirescos, Mavie. Ouvi tudo, principalmente a gritaria. Nada me escapa.

Ela grunhiu, sua respiração ficando mais pesada.

Rin não sabia dizer o porque veio até Mavie quando viu a forma transtornada que Penelape havia saído da casa. Ela só sentiu que precisaria ver como a outra estava.

– Eu sei que você não vai ficar parada aqui, agora que possui uma pista de onde pode estar seu irmão – continuou – Então não vou deixar que saia daqui em direção a morte certa.

Os ombros de Mavie se tencionaram levemente.

– E o que ganha com isso?

– Nada, apenas mantenho você viva.

Demônio de NéonOnde histórias criam vida. Descubra agora