Capítulo 3

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 Penelape estava sentada no bar, tomando sua bebida gaseificada. Os lábios em torno do canudo sugando o líquido pensativamente.

O bar ficava no topo de um prédio não muito alto. Era meio escondido entre os outros arranha-céus, então se você não prestasse bem atenção poderia passar despercebido.

Ela costumava ir lá com frequência após o trabalho, eles serviam umas asinhas de frango apimentadas divinas.

Sempre se sentava no bar, de frente para uma janela enorme com prateleiras cheias de garrafas caras de bebidas. Ela nunca pedia nada alcoólico, preferia se manter em alerta.

O dia estava no fim da manhã, os arranha-céus projetando sombras nas construções mais baixas. Ali dentro, as luzes amarelas davam um ar intimista ao ambiente.

Algumas pessoas, robôs e humanoides, estavam sentados nas mesas espalhadas pelo salão. Nos lugares mais ao fundo, longe da luz do sol, se prestasse atenção poderia ver líquidos em tom vermelho escuro sob a mesa. Peles pálidas e frias. Olhos vermelhos brilhantes procurando a próxima presa. Vampiros.

Uma música suave vinha de um piano antigo ao canto, onde um robô vestido de terno, parecendo um pinguim, o tocava.

Penelape sentiu um incômodo na lateral da cabeça, como uma alfinetada no crânio.

Sugou mais um pouco de sua bebida a ignorando completamente.

As vozes dos mortos sussurravam em sua cabeça. O dispositivo funcionava como um amenizador de seu poder, assim era mais fácil ignorar que a estática dos sussurros existia.

Se ela o tirasse, seu corpo viraria uma rua movimentada sem sinalização de pare. As vozes começariam a gritar por ajuda e ela, com toda certeza, enlouqueceria em questão de segundos.

Isso já ocorreu uma vez, a muito tempo atrás, quando era apenas uma criança. Foi nessa época que descobriu que seu melhor amigo na verdade tinha morrido a tempos, por isso ninguém conseguia vê-lo.

Penelape nunca conheceu os pais, eles morreram antes de completar um ano de idade. Ficou em lares temporários, chegou até a ser adotada, mas sempre era devolvida. O motivo era sempre o mesmo, gente morta.

As pessoas não queriam ter um envolvimento com uma criança que poderia começar a falar sozinha de madrugada.

Ela nunca soube o que era ter uma família, talvez Mavie fosse a única que chegasse mais perto disso.

Mas às vezes, ela se pegava pensando. Como era ter uma mãe? Como era ter um pai, ou até mesmo um irmão?

Talvez se ela pudesse se sentir pertencente a algo, não sentiria...

Alguém sentou ao seu lado, fazendo com que ela desviasse os olhos da janela.

– Sempre no mesmo lugar, Penelape.

Virou-se para encarar o recém chegado, um homem de meia idade, vestindo um sobretudo escuro que contrastava com a atmosfera do bar. Seus olhos, intensos e profundos, como se já tivesse visto muito daquele mundo.

– FP – ela o saudou, levantando seu copo em comprimento – Não sei se é hábito ou obsessão, mas sempre me vejo no mesmo bar, no mesmo lugar.

– A solidão tem seu charme, não acha? – Uma outra pessoa estava acompanhando FP naquele dia.

Penelape levantou o olhar para ele.

E olhos de puro fogo azul a fitavam de volta. Seus cabelos escuros na altura das orelhas, estavam penteados para trás, uma mecha teimosa caindo sobre a testa.

Demônio de NéonOnde histórias criam vida. Descubra agora