20

2.3K 218 53
                                    

Nicole

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Nicole

24 de Maio de 2024
Irajá
Zona Norte, Rio de Janeiro.

Três meses depois.

Dizem que o cérebro humano leva vinte e um dias pra se acostumar com uma mudança. De qualquer forma, mesmo que a vida estivesse voltando ao eixo, mesmo que eu me sentisse feliz e leve como nunca me senti em vinte e quatro anos, eu ainda acho que nunca seria capaz de me acostumar com o vazio.

O vazio pela falta da minha mãe. O vazio pelo fim definitivo da minha amizade com a Thayla. O vazio de não ter ninguém. O vazio de sempre me sentir sozinha, mesmo que não estivesse. E sabe o pior disso tudo? O pior disso tudo era ver que eu não estava mais sozinha, que agora eu tinha amigos, pessoas que se preocupavam comigo e mesmo assim o vazio não largava do meu peito.

Eu nunca mais procurei saber da minha mãe. Via poucas coisas nas redes sociais, mas para falar a verdade, eu evitava porque ainda doía.

Nas últimas postagens, ela anunciou a espera de um menino. E esse era mais um vazio que eu teria que me acostumar... o vazio de ter um irmão, e nunca poder estar tão perto.

Minha amizade com a Thayla foi literalmente para o ralo depois que recebi suas mensagens bizarras em uma noite qualquer. Acontece que quando fui até a casa da minha mãe buscar as minhas coisas, alguém espalhou a notícia que eu saí de lá com o Thiago, e isso foi o suficiente para que a fofoca rolasse solta e todos falarem que o fim daquele relacionamento foi porque eu e o Thiago estávamos juntos.

Eu nunca vi uma mentira tão descabida na minha vida, e isso não me fez sentir menos raiva dela. Só me fez ter mais certeza de que era bem melhor continuar longe.

Por outro lado, eu tinha o Thiago. Acho que de fato fomos irmãos em outra vida, ou então, ele era meu anjo da guarda ou sei lá... não haviam palavras que fossem capazes de explicar nossa relação nos últimos meses.

Mas se o Thiago era realmente o meu anjo da guarda, a Dhiô também merecia algum crédito sobre isso, e eu sentia obrigação de retribuir.

A Dhiô e eu nos naturalmente aproximamos por morarmos embaixo do mesmo teto, por ter coisas em comum e por gostarmos uma da companhia da outra. Mas com elas as coisas não eram tão simples.

A verdade é que nos últimos meses, enquanto eu me recuperava e me sentia bem de novo, o oposto acontecia com ela.

Assisti a Dhiôvanna literalmente definhar de dor, agonia e medo e entrar no que qualquer médico fosse diagnosticar como depressão. E ninguém era idiota de saber que ela tinha uma única razão pra se perder dentro de si mesma, e essa razão tinha nome e o mesmo sobrenome que ela.

O Gabriel sumiu. Ele simplesmente evaporou. A última pessoa que esteve com ele foi eu, e fui obrigada a contar pra irmã dele o que rolou no bar, buscando dar mais explicações, mas acho que saber de tudo só afundou ainda mais ela e lhe deu uma certeza de que os pais dela ainda não queriam acreditar, e ainda não aceitavam.

Ela tinha total certeza que tinham matado o Gabriel. Ela dizia que não era possível ele ficar tanto tempo longe, e que se estivesse vivo eles saberiam... então ela constatou o óbvio.

Eu sinceramente não sabia no que acreditar. Era difícil cogitar a ideia de que ele estava vivo, quando a última coisa que eu soube foi que as pessoas que o procuravam invadiram o seu quarto de hotel. Eles estavam perto, e talvez o pegaram desprevenido e o pior aconteceu.

Mesmo que esse fosse o meu pensamento eu tentava não expor, nem pra Dhiô e nem para os pais dela, que enquanto assistiam a filha definhar se aproximaram ainda mais da vida dela, na tentativa de também não perder a menina, afinal, o filho eles já tinham perdido, seja lá pra quem fosse, seja lá como fosse, se ele ainda estivesse vivo, continuava perdido.

Eu nem sei explicar como isso me afeta, mas de alguma forma, eu sinto.

Sempre sinto muito pela Dhiô e lamento que ela tenha que passar por tudo isso, por isso eu tento ser o mais gentil possível e em todas as possibilidades de fazê-la feliz eu nem penso duas vezes, até mesmo quando eu e o Thiago passamos o fim de semana inteiro ao lado dela assistindo Diário de um Vampiro pra tentar amenizar um pouco do estrago.

Mas não posso deixar de sentir pelo Gabriel. Vivo ou não, isso não importava, até porque não consideraria como "viver" ter que fugir para continuar respirando. Eu lamentava demais por ele, e queria poder mudar o fim dessa história, mas se eu não consegui mudar o fim da minha própria história, era difícil crer que poderia mudar a dele.

Thiago: No que tá pensando?

Fui arrancada dos meus pensamentos quando ele parou do meu lado. Estávamos em casa. O dia de hoje foi exclusivamente para uma única pessoa: A Dhiô. Era o aniversário dela, e nós e os pais dela fizemos questão de um jantar em comemoração.

Sentia que aos poucos ela estava melhorando. Depois de meses, ela havia voltado para a faculdade, e eu já não ouvia mais seus gritos por acordar de algum pesadelo durante a noite... mesmo assim, o brilho no olhar ainda não tinha voltado.

A cena em nossa frente era dela recebendo os presentes dos pais, com um sorriso no rosto. Mas não tinha nada de completo naquele sorriso. Um vazio sempre sabe reconhecer o outro.

O Thiago soltou o ar quando viu que eu olhava a cena com o mesmo pesar que ele.

Nicole: Sabe, cada vez mais eu acho que ele não tá vivo - murmurei baixinho, para que só ele pudesse ouvir - Acho que se tivesse só uma chance de estar vivo, ele teria aparecido hoje.

Thiago: Por que acha isso?

Nicole: Porque todas as vezes ele não voltou pelos pais, mas sempre voltou por ela. Dava pra ver o jeito que ele se preocupava, que ele falava e olhava pra ela - o Thiago passou os braços encima do meu ombro, abraçando o meu corpo - Ela vai pirar hoje.

Thiago: Eu vou dormir aqui.

Nicole: Eu sei que vai, mas isso não muda. Ela vai pirar, você estando aqui ou não. Essa dor não é sobre você, ou eu, ou qualquer outra pessoa. Só ele poderia fazer doer menos.

O meu amigo tirou os braços do meu corpo, e negou com a cabeça, seu rosto se transformou em pura rigidez.

Thiago: Ou mais - cruzou os braços na altura do peito - Se ele estiver vivo, eu não quero que volte, Nica. Estamos conseguindo, ela voltou pra aula, voltou a sorrir e está cada vez mais perto de ficar bem.

Nicole: Mas se ele voltar... - ele não deixou que eu continuasse.

Thiago: Se ele voltar, vai ser pra reabrir essa ferida mais uma vez. E depois de uns dias, ele vai embora de novo e a dor vai voltar com mais força. Torço que esteja vivo, mas não que volte e acho que você deveria fazer o mesmo.

Eu não respondi. Não tinha o que responder. O meu lado racional concordava com cada palavra que saiu da boca dele, mas algo dentro do meu corpo torcia pra que ele estivesse totalmente errado.

RuínasOnde histórias criam vida. Descubra agora